Decorridos mais de três anos do início da “maior crise sanitária global do nosso tempo”, cujo fim foi anunciado pela Organização Mundial de Saúde em maio de 2023, foi publicada a Lei n.º 31/2023, de 4 de julho, que determina a cessação de vigência de numerosas leis publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Em boa verdade, a grande maioria das leis produzidas na sequência ou em resposta à pandemia já havia sido, parcial ou totalmente, revogada nos últimos dois anos, pelo que a generalidade dos regimes excecionais estabelecidos já não se encontrava há algum tempo em vigor e as restrições temporárias impostas por essas leis já haviam sido levantadas.
Ainda assim, a Lei n.º 31/2023 não assume somenos importância, pelo menos em matéria judicial e processual, e, em especial, em sede de processo executivo e de insolvência, atentas as revogações de regime operadas – e que importa, agora, aqui focar.
Esta Lei determina, de forma expressa, a cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em razão de caducidade, de revogação tácita anterior ou de revogação pela própria lei (cfr. artigo 1.º).
Incluem-se nesta última hipótese de revogação (cfr. artigo 2.º), a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (e os subsequentes diplomas que a alteraram), que estabeleceu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica da doença COVID-19.
Uma das poucas normas desta Lei n.º 1-A/2020, que ainda se encontrava em vigor, e que foi agora objeto de revogação expressa, é o artigo 6.º-E, referente ao “Regime processual excecional e transitório”.
Mais concretamente, foram revogadas, entre outras, as seguintes medidas:
a) A suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
b) A suspensão dos atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) A suspensão dos atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, pudesse ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e) A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não pudessem ser realizadas nos termos previstos nos n.ºs 2, 4 ou 8 desta norma (entre outros, preferencialmente por meios de comunicação à distância adequados);
f) A suspensão eventualmente concedida pelo Tribunal a requerimento da parte nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis fossem suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do insolvente.
Nos processos de insolvência, nos processos executivos e nos processos de despejo e conexos, assumem particular relevo as medidas de suspensão acima descritas nas alíneas a), b) e c).
Os efeitos devastadores da pandemia da doença COVID-19 na vida em sociedade e em quase todos os campos da vida humana são do conhecimento de todos.
Aquelas medidas foram a resposta concreta do nosso legislador a situações muito específicas, como foi o caso das empresas e dos empresários que, fruto do impacto da pandemia, viram a sua atividade parada, deixando, consequentemente, de ter liquidez para fazer face aos seus compromissos.
De acordo com a nossa lei insolvencial, se o devedor (empresa ou empresário) não se apresentar à insolvência nos trinta dias seguintes à data de conhecimento da situação de insolvência ou à data em que devesse conhecê-la, fica sujeito à eventual qualificação da insolvência como culposa (cfr. artigos 18.º e 186.º e 189.º do CIRE).
A suspensão do aludido prazo foi um balão de oxigénio para as empresas e empresários, que ganharam tempo para tentar retomar a sua atividade e recuperar liquidez.
Contudo, presentemente, já não se vislumbram motivos justificativos de manutenção desta medida, pelo que se aplaude a sua revogação.
Também no que respeita à suspensão dos atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, bem como à suspensão dos atos de execução da entrega do local arrendado, facilmente se compreendem as razões que, durante a pandemia e, em especial, durante os períodos de confinamento, legitimaram plenamente estas medidas que, nas circunstâncias atuais, já não se colocam.
Por fim, atente-se que, apesar de a Lei n.º 31/2023 entrar em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – 5 de julho -, foram previstas regras específicas para os efeitos da revogação das medidas acima expostas.
Em concreto, no que respeita à supra referida alínea a), a sua revogação “Determina o início da contagem dos prazos para apresentação à insolvência previstos no artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” e “Exonera as empresas que se apresentem ao processo extraordinário de viabilização de empresas, aprovado pela Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro, verificados os respetivos requisitos, do dever de apresentação à insolvência previsto no artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
Relativamente à revogação das alíneas b) a e), esta só produz efeitos 30 dias após a publicação da lei, ou seja, a 3 de agosto de 2023.
por João Carlos Teixeira e Gisela César, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem