info@goldenblatt.co.uk
49 Russell Square, London, UK

News & MediaLatest NewsAdicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário

17 de Julho, 2023

Estávamos em julho de 2020, em plena pandemia, quando foi aprovada a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à alteração do Orçamento do Estado para 2020, e teve como principal objetivo responder à realidade orçamental e económica provocada pela pandemia COVID-19.

A Lei nº 27-A/2020 veio criar o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário, a pagar pelas entidades do setor bancário, com o objetivo assumido pelo legislador de consignar novas receitas para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

O Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário é calculado sobre i) o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integrem os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido; e ii) o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço.

Às bases de incidência referidas em i) e ii) são aplicadas, respetivamente, as taxas de 0,02% e de 0,00005%, sendo o Adicional autoliquidado anualmente pelas entidades sujeitas.

Para justificar este novo tributo, o legislador escudou-se na necessidade de novas fontes de financiamento para suportar os custos de resposta pública à crise causada pela pandemia COVID-19, e no facto de ser uma forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, alegadamente aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

Recordamos que em 2011 havia já sido criada a Contribuição sobre o Setor Bancário, com incidência objetiva e subjetiva equivalentes.

Acresce que a justificação que está na génese do tributo é tecnicamente frágil uma vez que a isenção generalizada de IVA nas atividades do setor financeiro – introduzida pelo legislador comunitário –, se tem revelado, pelo contrário, uma desvantagem para o setor por não permitir a dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços. Por outro lado, a isenção permite que o cliente bancário não tenha que suportar o IVA nos serviços financeiros contratados.

Desde a sua criação, em 2020, que o Adicional tem sido amplamente criticado pelos seus destinatários, sendo consensual entre fiscalistas que este tributo configura um verdadeiro imposto inquinado de inconstitucionalidade que não respeita o critério mor da capacidade contributiva.

O Adicional surgia assim em 2020, como mais um expediente para taxar um setor que tem vindo a sofrer constante pressão tributária por parte de um legislador com uma criatividade direcionada para o mesmo.

É neste contexto que, volvidos três anos após a entrada em vigor do Adicional, em março e abril deste ano, o Tribunal Arbitral Tributário do CAAD, proferiu duas decisões – Processo nº 598/2022-T e Processo nº 599/2022-T, as quais, apesar de fundamentadas de forma ligeiramente distinta, consideram o Adicional um tributo inconstitucional por violação do princípio da igualdade, e do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

Entendeu o Tribunal que no Adicional não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo, e a ausência de uma cabal correspondência entre o imposto e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva, colocando em causa a viabilidade constitucional do imposto.

A decisão proferida no Processo nº 598/2022-T, deixa ainda patente a diferença entre o Adicional e a Contribuição sobre o Setor Bancário, salientando que no Adicional não está sequer em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas – como sucedia com a Contribuição sobre o Setor Bancário -, mas uma exclusiva medida de angariação de receita sem qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e o efetivo incremento de capacidade contributiva.

Por sua vez, no Processo nº 599/2022-T, o Tribunal vem concluir que a construção legal da incidência subjetiva do Adicional não cumpre com a exigência constitucional de generalidade, violando assim o princípio constitucional da igualdade tributária.

O Tribunal refere que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes setores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.

 A criação de um novo imposto que incide sobre realidade diversa que não as transações efetuadas, e, subjetivamente, apenas sobre as instituições de crédito, foi qualificada pelo Tribunal como uma solução legislativa arbitrária e desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter – reforço do financiamento da Segurança Social.

Em conclusão, também neste Processo o Tribunal considerou que a opção legislativa da criação do imposto sempre deveria ser havida por inconstitucional por configurar um arbítrio legislativo, concluindo pela anulação das liquidações de imposto impugnadas no processo.

Resta-nos retirar as devidas consequências de um processo de criação de um novo tributo que desde o início se revelou descuidado e alvo de contestação, não obstante as circunstâncias especiais em que ocorreu.

Em Direito Fiscal, os fins não podem sempre justificar os meios.

 

por Joana Cunha d’Almeida e Lourenço Paour, Área de Prática – Direito Fiscal

https://adcecija.pt/wp-content/uploads/2020/06/logo_horizontal_b-768x75.png
LISBOA
Edifício Amoreiras Square
Rua Carlos Alberto da Mota Pinto, 17 - 2.º piso
1070-313 Lisboa
PORTO
Rua Eugénio de Castro, n.º 352, 2.º andar, sala 26
4100-225 Porto
BRAGA
Rua de Janes, n.º 20, 1.º andar, sala 101
4700-318 Braga

* Chamadas sem custos adicionais, sujeito apenas à tarifa de base.

SOCIAL