Uma forma de arte digital ou uma mera apropriação indevida de Direitos de Propriedade Industrial?
Com o crescente interesse no metaverso e a evolução das tecnologias de realidade virtual, o tema da proteção e da regulamentação dos direitos de autor, patentes, designs e marcas no metaverso ganha complexidade e está em constante evolução, que poderá gerar grandes implicações para empresas, criadores de conteúdo e utilizadores do mundo virtual.
No epicentro desta discussão, encontra-se o recente caso Hermès International vs. Mason Rothschild, no qual a conhecida casa de luxo francesa Hermès interpôs, junto do Tribunal Distrital dos Estados Unidos da América (E.U.A.) do Distrito Sul de Nova Iorque, uma ação contra o artista digital Mason Rothschild.
Este artista desenhou uma coleção de NFT (Non Fungible Token) com diferentes variações da mala Hermès Birkin, a qual foi intitulada de “MetaBirkins”, e que foi colocada à venda em plataformas e mercados online de NFT.
A Hermès não aceitou o que viu como uma apropriação da sua icônica Birkin, que é amplamente considerada o ex-libris dos artigos de luxo, sendo um símbolo de status e desejo entre os consumidores de todo o mundo, entendendo que os seus direitos de propriedade intelectual foram violados, decidindo lançar mão dos mecanismos legais à sua disposição, com vista à proteção desses direitos.
Sinteticamente, nas suas alegações a Hermès sustenta a existência de:
- Violação da marca registada “Birkin” e a sua diluição: uma vez que Rothschild, ao fazer uso desta prática abusiva, incitou outros artistas a criar mais NFT que afirmam ser Metabirkins ou variações destas, estas ações acabam por infringir e diluir a marca “Birkin”;
- Cybersquatting: pelo registo ilícito do domínio “Metabirkins.com”, realizado com a intenção de enganar o consumidor, aproveitando-se do renome e prestígio associado à marca “Birkin”.
Por sua vez, Rothschild, na sua contestação, invocou a jurisprudência dos tribunais dos EUA [Rogers v. Grimaldi, 875 F.2d 994 (2d Cir. 1989)] que estende a proteção da liberdade de expressão (consagrada na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos) a obras de arte “expressivas” que reproduzem marcas registadas pertencentes a terceiros.
Do exposto é possível, desde já, levantar duas questões que se afiguram relevantes:
- Prevalecerão, como justificação para a liberdade de expressão artística, os NFT que materializam a propriedade intelectual de terceiros, sem a sua autorização?
- A legislação vigente em matéria de Propriedade Intelectual é aplicável ao metaverso, NFT e outros ativos digitais?
Ora, no entendimento do Tribunal Distrital dos EUA, a primeira questão deverá ser respondida de forma negativa e a segunda questão, de forma positiva.
Na decisão final, anunciada a 8 de fevereiro de 2023, o júri deliberou pela procedência da ação interposta pela Hermès e pela condenação de Rothschild ao pagamento de uma indemnização no valor de US$ 133.000,00 pelos danos e prejuízos causados à casa de luxo francesa no decorrer da violação dos direitos da marca registada, pela sua diluição e cybersquatting.
Esta decisão do Tribunal Distrital dos EUA consubstancia um marco crucial na temática da proteção dos direitos de propriedade intelectual no contexto do ambiente virtual do metaverso, NFT e outros ativos digitais, abrindo portas à discussão jurídica sobre a área cinzenta que envolve estes direitos em ambiente virtual.
Em suma, a decisão do Tribunal Distrital dos EUA representa um passo importante para a proteção dos direitos de propriedade intelectual no ambiente digital, uma vez que é o ponto de partida para obter uma melhor perceção sobre a aplicabilidade dos Direitos de Propriedade Intelectual neste contexto, assim como para outros titulares de marcas registadas procurem, com cada vez maior frequência, amparo legal face a violações de natureza semelhante.
No entanto, muito há a ser feito para garantir uma proteção efetiva e coerente destes direitos nesta nova conjetura que integra o mundo real e virtual.
por Ana Bastos e Joana Abreia Oliveira, Área de Prática – TMT – Tecnologia, Media e Telecomunicações | Privacidade e Cibersegurança