1. O Regime de Gestão de Ativos
O Regime de Gestão de Ativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, (“RGA”), teve como principal objetivo a harmonização dos regimes dos organismos de investimento coletivo e do capital de risco, empreendedorismo social e investimento alternativo especializado, anteriormente regulados, respetivamente, pelos diplomas já revogados RGOIC[1] e RJCRESIE[2].
Uma das alterações que se destaca na nova legislação respeita à emissão de obrigações: ao contrário do anterior regime, o RGA prevê expressamente a possibilidade de emissão de obrigações por Organismos de Investimento Alternativo (“OIA”), incluindo fundos, o que até agora era vedado, aplicando-se subsidiariamente as regras previstas no Código das Sociedades Comerciais (“CSC”)[3].
2. Tipos de Obrigações
O CSC dispõe que podem ser emitidas obrigações que reúnam uma ou mais das características abaixo indicadas[4]:
- Além de conferirem aos seus titulares o direito a um juro fixo, os habilitem a um juro suplementar ou a um prémio de reembolso, quer fixo quer dependente dos lucros realizados pela sociedade;
- Apresentem juro e plano de reembolso, dependentes e variáveis em função dos lucros;
- Sejam convertíveis em ações, ordinárias ou preferenciais, com ou sem direito de voto, ou noutros valores mobiliários;
- Confiram o direito a subscrever uma ou várias ações, ordinárias ou preferenciais, com ou sem direito de voto;
- Confiram direitos de crédito sobre a emitente com caráter subordinado, sendo reembolsáveis somente após a satisfação integral dos seus credores comuns, desde que a natureza subordinada seja expressamente consagrada nas condições da emissão e nos documentos, registos e inscrições que lhes correspondam;
- Resultem da conversão de outros créditos de sócios ou terceiros sobre a sociedade;
- Apresentem garantias especiais sobre ativos ou receitas do património da emitente ou de terceiro, desde que essas garantias especiais sejam expressamente consagradas nas condições da emissão e nos documentos, registos e inscrições que lhes correspondam;
- Apresentem prémios de emissão.
3. Emissão de Obrigações ao abrigo do RGA
3.1. Limites e Requisitos do Regime de Emissão de Obrigações por OIA
Do regime de emissão de obrigações, previsto no RGA e complementado pelo CSC, destacam-se as disposições elencadas infra.
- No que concerne à emissão:
- Pode ocorrer a partir da data da constituição do OIA.
- Não se encontra sujeita a deliberação da assembleia de participantes.
- Não se encontra sujeita aos limites de endividamento previstos no artigo 349.º do CSC, aplicando-se ao invés os limites de endividamento próprios cada OIA estabelecidos no RGA.
- Deve ser imediatamente comunicada à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) através do Balcão Único Eletrónico.
- Após a comunicação referida no número anterior, a emissão de obrigações é publicada no portal de difusão de informação da CMVM.
- A emissão de obrigações por sociedades de investimento coletivo está sujeita a registo comercial das obrigações, sendo, para tal, necessária uma ata da assembleia geral da sociedade emitente a deliberar sobre a emissão das obrigações[5].
- Para cada emissão de obrigações, deve existir um representante comum dos respetivos titulares das mesmas[6].
- Relativamente à subscrição e à aquisição:
- Os OIA só podem adquirir obrigações próprias para amortização, conversão ou em caso de aquisição de um património a título universal;
- Não podem ser subscritas ou adquiridas, para um compartimento autónomo de um OIA, obrigações emitidas por outro compartimento autónomo do mesmo OIA;
- As sociedades gestoras não podem subscrever ou adquirir, direta ou indiretamente, obrigações emitidas pelos OIA sob gestão.
3.2. Representante dos Obrigacionistas
- Designação do Representante:
Nos termos do CSC, o representante dos obrigacionistas deve ser (i) uma sociedade de advogados, uma sociedade de revisores oficiais de contas, um intermediário financeiro, uma entidade autorizada a prestar serviços de representação de investidores em algum Estado-Membro da União Europeia ou uma pessoa singular dotada de capacidade jurídica plena, ainda que não seja obrigacionista[7], e (ii) independente, não podendo estar associado a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontrar em alguma circunstância suscetível de afetar a sua isenção[8].
- Remuneração do Representante:
Os critérios para a fixação da remuneração do representante comum são definidos no regulamento de gestão do OIA que contemple a possibilidade de emissão de obrigações, estando as despesas com a remuneração do representante comum, com as convocatórias e com a realização das assembleias de obrigacionistas a cargo do OIA.
- Assembleia de Obrigacionistas:
- Enquanto o representante comum dos obrigacionistas não estiver em funções ou quando se recusar a convocá-la, a assembleia de obrigacionistas deverá ser convocada pelo presidente da mesa da assembleia de participantes[9].
- Na assembleia de obrigacionistas podem estar presentes os membros do órgão de administração ou representantes da sociedade gestora e do depositário, o auditor e os representantes comuns dos titulares de obrigações de outras emissões[10].
4. Obrigações Subsequentes
Será ainda necessário:
- Proceder à inscrição do emitente junto da Euronext Securities Porto através da submissão de uma ficha de inscrição, bem como da disponibilização de vários documentos sobre a sociedade emitente, incluindo uma ficha técnica sobre as obrigações emitidas.
- Escolher um intermediário financeiro, de uma lista de participantes da Interbolsa[11].
5. Notas Finais
Pese embora a longa lista de elementos a considerar, o regime de emissão de obrigações, resultante da conjugação do RGA e do CSC, estabelece requisitos e limites claros para a emissão de obrigações por parte de OIA.
O recente RGA veio, assim, alargar as possibilidades alternativas de financiamento da atividade prosseguida pelos OIA, nomeadamente no que concerne os fundos de investimento.
por Amílcar Silva, Carolina Ribeiro Santos e Inês Bragança Gaspar, Área de Prática – Direito Comercial e Societário
[1] Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC), aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.
[2] Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (RJCRESIE), aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março.
[3] Artigo 209.º do RGA.
[4] Artigo 360.º do CSC.
[5] Artigo 351.º do CSC.
[6] Artigo 357.º do CSC.
[7] Artigo 357.º, n.º 2 do CSC.
[8] Artigos 357.º, n.º 4 do CSC e 209.º, n.º 10 do RGA.
[9] Artigo 209.º, n.º 8 do RGA.
[10] Artigo 209.º, n.º 9 do RGA.