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News & MediaFlash AlertTransição para o NRAU – Uniformização de jurisprudência

19 de Julho, 2023

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a transição para o NRAU dos contratos de arrendamento não habitacionais anteriores ao Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro

Em 15.06.2023, o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferiu um acórdão de uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:

Nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, o locador que pretenda promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sem atualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro.

Quer o acórdão recorrido, quer o acórdão-fundamento, versaram sobre a mesma questão fundamental de direito: saber se a eficácia da comunicação, feita pelo senhorio ao arrendatário, da transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), sem atualização de renda, depende da verificação de todos os requisitos previstos no artigo 50.º do NRAU.

As duas decisões que subjazem à uniformização de jurisprudência foram proferidas no domínio da mesma legislação: artigo 50.º do NRAU, na redação introduzida pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro.

De igual modo, existe uma identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam o quadro normativo em ambos os acórdãos.

Para fundamentar a jurisprudência firmada, foram invocadas as seguintes premissas (comuns ao acórdão recorrido):

  • a opção pela criação de um regime comum para a realização da transição do contrato para o NRAU e a atualização do valor da renda, denota a convicção, por parte do legislador, de que é frequente elas verificarem-se em simultâneo; contudo, materializam situações independentes, sendo inegável que uma pode ocorrer sem a outra;
  • a própria Lei o comprova, ao prever que o arrendatário venha a pronunciar-se somente quanto ao tipo ou duração do contrato proposto pelo senhorio [cfr. alínea c) do n.º 3 do artigo 51.º do NRAU];
  • a criação daquele regime único justificar-se-á por uma questão de comodidade, não se pretendendo uma aplicação inflexível da norma;
  • a admissibilidade da dispensa de alguns dos requisitos quando a comunicação visa apenas a transição do contrato para o NRAU, depende da utilidade que os mesmos tenham na situação em causa;
  • a solução concebida para o caso típico não vale necessariamente para o caso atípico, devendo ser adaptada em conformidade com a teleologia da norma;
  • são desprovidas de sentido, (i) a indicação do valor da renda, (ii) a indicação do valor do locado constante da caderneta predial urbana e (iii) a junção de cópia desta, por se tratar de elementos irrelevantes para a transição do contrato para o NRAU;
  • aqueles elementos estão funcionalizados à atualização da renda, mas não se destinam a proteger qualquer interesse, privado ou público, pelo que devem ser dispensados no caso atípico da transição para o NRAU não acompanhada da atualização da renda;
  • ainda que não cumpra as exigências previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 50.º do NRAU, a comunicação remetida pelo senhorio com vista à transição do contrato para o NRAU é plenamente eficaz relativamente ao arrendatário.

 

O acórdão-fundamento baseou-se na seguinte fundamentação:

  • a letra da Lei é clara ao instituir que o senhorio que pretenda transitar o contrato vigente para o NRAU terá de atualizar o valor da renda e que, como tal, a comunicação inicial do senhorio está submetida aos mesmos requisitos (forma, tempo e conteúdo);
  • tal interpretação é confirmada pela utilização da conjunção coordenativa copulativa “e” (ao invés da conjunção coordenativa disjuntiva “ou”);
  • no que diz respeito ao elemento histórico de interpretação, invoca-se a exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, a qual aponta de forma decisiva para a correlação indissociável entre o aumento de renda e a transição do contrato para o NRAU;
  • o acento tónico do mecanismo é a negociação da renda e não propriamente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;
  • a preocupação do legislador sempre foi combater as rendas muito baixas, sem justificação de ordem social, que levavam a uma inércia dos senhorios na realização de obras nos prédios arrendados, e não propriamente submeter os contratos de arrendamento mais antigos, vulgo vinculísticos, ao regime do NRAU;
  • pretendeu-se admitir a atualização de rendas e, simultaneamente, a transição dos referidos contratos de arrendamento para o NRAU, por forma a conferir maior uniformização das regras jurídicas que regulam tais negócios, mas sempre condicionando esta segunda vertente à atualização das rendas;
  • a alínea c) do n.º 3 do artigo 51.º do NRAU está umbilicalmente ligada às alíneas antecedentes, as quais, sem qualquer dúvida, se referem sempre ao valor da renda proposto pelo senhorio;
  • a norma em questão sustenta a interpretação segundo a qual o senhorio apenas pode promover a transição dos contratos de arrendamento mais antigos para o NRAU caso pretenda proceder à atualização da renda;
  • ainda que possa haver essa transição sem a respetiva atualização da renda, não pode a comunicação do senhorio dispensar os requisitos legalmente previstos, sob pena de se legitimar uma conduta contrária à Lei, não retirando consequências jurídicas de tal inobservância, nomeadamente a prevista no n.º 2 do artigo 54.º do NRAU;
  • é fundamental que o arrendatário esteja na posse de todos os elementos referidos no artigo 50.º do NRAU, por forma a poder projetar as consequências associadas a cada uma das respostas possíveis face ao previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 51.º do mesmo diploma;
  • a falta dos requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio, previstos no artigo 50.º, tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita.

A decisão recentemente proferida não tem efeito sobre a legislação em matéria de transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, mas não poderá deixar de se refletir nas decisões que os tribunais venham a tomar em processos onde o tema se discute.

A prolação deste acórdão terá impacto na (in)admissibilidade dos recursos, nos litígios em que esteja em causa a mesma questão fundamental de direito – vide artigos 629.º, n.º 2, alíneas c) e d) e 672.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC.

A decisão do STJ irá, com elevado grau de probabilidade, provocar um incremento nos litígios judiciais tendentes à (i) declaração de eficácia das comunicações remetidas pelos senhorios destinadas unicamente à transição dos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro para o NRAU, e não acompanhadas dos elementos elencados nas alíneas a), b) e c) do artigo 50.º do NRAU e à (ii) condenação dos arrendatários a acederem na referida transição, e, consequentemente, na sua sujeição ao regime nele previsto, nomeadamente quanto à respetiva cessação.

 

por Raquel Ribeiro Correia e Cristina Sancho dos Santos, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem

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