No dia 26 de maio de 2025, a Comissão Europeia (“Comissão”) publicou a primeira decisão de não cumprimento, com base no DMA, aplicando à Apple uma coima no valor de 500 milhões de euros (DMA.100109 Apple – Online Intermediation Services – AppStore – Art. 5(4)).
A decisão surge na sequência de uma violação do artigo 5.º, n.º 4, do DMA, na medida em que a Apple restringiu indevidamente a capacidade de os criadores de aplicações promoverem canais de distribuição alternativos à App Store ao:
- Impedir que os criadores de aplicações (programadores) possam “orientar” (“steering”) livremente os utilizadores finais, permitindo apenas o redireccionamento para o respetivo depois de o utilizador final clicar numa ligação dentro da aplicação, com o objetivo de celebrar um contrato;
- Impor obstáculos e restrições ao processo de redireccionamento (“link-out”), nomeadamente a obrigatoriedade de apresentar uma folha de informação (com linguagem alarmante) que os programadores têm de mostrar repetidamente aos utilizadores;
- Cobrar taxas pela orientação dos utilizadores finais (steering/link-out), incluindo comissões de 17% ou 10%, acrescidas de 3% pelo processamento de pagamentos e da chamada Core Technology Fee (CTF), cobrada pela Apple – em contradição com a exigência legal de que este tipo de redireccionamento seja gratuito, tal como estabelecido no artigo 5.º, n.º 4, do DMA. No entanto, a Apple poderá cobrar uma “taxa de aquisição” inicialem circunstâncias limitadas. Compete à Apple definir o valor dessa taxa e à Comissão avaliar se o montante estabelecido é compatível com o referido artigo.
Ao abrigo do artigo 5.º, n.º 4, do DMA, a Apple deve permitir que os criadores de aplicações (utilizadores profissionais) informem livremente os consumidores dessas aplicações (utilizadores finais) sobre ofertas alternativas e mais vantajosas fora da sua App Store, podendo encaminhá-los para essas ofertas e celebrar contratos diretamente com os consumidores sem quaisquer encargos.
Com esta decisão, a Comissão demonstra estar preparada para aplicar de forma efetiva as regras do DMA, mesmo perante a resistência dos gatekeepers, recorrendo aos instrumentos à sua disposição. Embora o montante da coima fique aquém do limite máximo, é ainda assim significativo, considerando, principalmente, que a infração só ocorreu durante um período relativamente curto, desde 7 de março de 2024 e ainda em curso, sem prejuízo da aplicação de sanções mais elevadas, em caso de não correção do incumprimento ou de reincidência.
O DMA, em vigor desde 1 de novembro de 2022 e plenamente aplicável desde 2 de maio de 2023, visa garantir que os mercados sejam mais justos e contestáveis no setor digital e estabelece um conjunto de obrigações específicas para grandes plataformas digitais que atuam como gatekeepers, isto é, que ocupam posições-chave na economia digital ao ligarem, essencialmente, utilizadores profissionais a utilizadores finais.
Em setembro de 2023, a Comissão designou sete empresas como gatekeepers, incluindo a Apple, no que respeita a três serviços de plataforma essenciais: a Apple App Store, o sistema operativo iOS e o navegador Safari. A partir da data de designação, a Apple dispunha de um prazo de seis meses, até 6 de março de 2024, para garantir a conformidade com as obrigações previstas nos artigos 5.º a 7.º do DMA.
No seu relatório de conformidade, de 7 de março de 2024, a Apple elencou um conjunto de medidas que a Comissão considerou incompatível com o DMA, tendo por isso iniciado, em 25 de março de 2024, uma investigação por incumprimento da obrigação de anti-steering (anti orientação), no contexto da Apple App Store.
Por conseguinte, a Comissão, através da sua decisão de 23 de abril de 2025 agora publicada, considerando que a Apple agiu de forma, pelo menos, negligente, aplicou-lhe uma coima de 500 milhões de euros por violação do artigo 5.º, n.º 4, do DMA e ordenou que cesse todas as restrições e se abstenha de tais práticas no futuro.
Nos próximos 60 dias, a Apple terá de ajustar as suas práticas de acordo com a decisão da Comissão, sob pena de enfrentar coimas que podem ir até 5% do seu volume de negócios anual.
por Paulo Morgado, José Luís da Cruz Vilaça, Paulo de Almeida Sande, Joana Pinto e Mariana Tavares, Áreas de Prática – Direito da União Europeia, Concorrência e Investimento Estrangeiro & Technology Transactions