info@goldenblatt.co.uk
49 Russell Square, London, UK

Latest NewsNews & MediaPassaporte de ‘imunidade’ no contexto laboral

15 de Abril, 2021

Resumo: O empregador pode exigir um comprovativo de imunidade para efeitos de contratação?

A resposta exige razoabilidade e impõe que se saiba separar o trigo do joio.

Com o anúncio das vacinas que vão lentamente chegando ao mercado, surgiu uma nova esperança. No entanto, podendo ser as vacinas uma solução, nem todos as querem tomar.

“No Jab, No Job” [i.e. “sem vacina, sem trabalho”]. É com esta premissa que se discute um pouco por todo o Mundo (com especial destaque no Reino Unido, Alemanha, Dinamarca, Chile e Israel) a possibilidade de, no futuro, as empresas exigirem comprovativos de imunidade para efeitos de contratação.

A questão, pois, que aqui se coloca é esta: e em Portugal? As empresas podem, sem mais, decidir exigir um comprovativo de imunidade para efeitos de contratação?  O presente artigo pretende tratar esta e outras questões sobre medidas de salvo-conduto imunitário.

Começando pela clarificação, o que são afinal os certificados de imunidade? Trata-se de documentos que atestam que uma pessoa é imune a uma doença infeciosa, neste caso à covid-19 – ou seja, que não fica doente de novo se voltar a estar em contacto com o vírus, SARS-CoV-2.

Posto o enquadramento, sabemos que um dos deveres basilares do empregador é o de zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e prevenir riscos laborais.

Cabe ao empregador adotar as medidas necessárias para garantir o cumprimento dessas regras, tendo em conta, além da legislação aplicável, as recomendações das autoridades de saúde relativamente à prevenção da covid-19, nomeadamente assegurar medidas de implementação do teletrabalho, o fornecimento de equipamento de proteção individual, a manutenção das distâncias de segurança e a realização de desinfeção e limpezas periódicas das instalações.

Noutro prisma, o empregador não pode, por regra, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das suas condições físicas ou psíquicas. O que significa, por outras palavras, que nesta matéria o princípio geral é o da irrelevância das matérias da esfera privada do trabalhador para a dinâmica do contrato do trabalho.

Contudo, a legislação laboral admite que esta proibição geral seja temperada através das seguintes exceções:

 

  • Quando tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros (v.g. clientes, visitantes, fornecedores);
  • Quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. profissionais de saúde).

 

Em qualquer caso, deverá ser sempre fornecida aos trabalhadores justificação escrita. Ademais, os comprovativos devem ser analisados por médico do trabalho, o qual apenas informa o empregador se o trabalhador está (ou não) apto para desempenhar a atividade.

Perante o exposto, pergunta-se: e quanto à sua admissibilidade do passaporte de imunidade? Eis-nos ora perante a essência da magna questão.

Entendemos, por ora, tratar-se de uma solução juslaboral pouco pacífica e, por isso, assente em sérias contingências. E isto porquê? Entre outras, explicamos abaixo algumas das razões para as nossas reservas:

 

  1. O comprovativo de imunidade deve servir para facilitar, de uma forma segura, a livre circulação e não pode servir para efeitos de discriminação “negativa”.

 

  • Ou seja, por outras palavras, entendemos que existe o elevado risco de tal medida [i.e. passaporte de imunidade] em contexto laboral ser considerada discricionária e discriminatória, uma vez que, como bem sabemos, não existem, à presente data, doses de vacinas para todos os que pretendessem a sua toma.

 

  1. Alguns trabalhadores, por exemplo, podem ter uma razão médica para não pretenderem a toma da vacina, outros podem ter preocupações religiosas, éticas, de saúde ou de segurança:

 

  • O veganismo, por exemplo, já foi considerado uma crença que poderá merecer proteção. Se uma vacina contém derivados de animais, pode um empregador exigir que o trabalhador contrarie as suas crenças ou religião e tome a vacina para poder aceitar um novo emprego (ou até para o manter…)?

 

  • E uma trabalhadora que seja aconselhada pelo seu médico a não ser vacinada devido a problemas de saúde, gravidez ou que esteja a amamentar, faz sentido ser prejudicada num processo de recrutamento?

 

  1. No que respeita aos casos de imunidade por já terem contraído o vírus, importa chamar à atenção para o seguinte: este género de solução poderia ditar que pessoas “desesperadas”, no desemprego, com necessidade de arranjar trabalho, se infetassem propositadamente para ter acesso a esta ‘via verde’ e, consequentemente, obter o tão desejado posto de trabalho.

 

  1. E mais, poderia, em última instância, incrementar outras práticas, tais como: dar ‘benefícios’ a quem tivesse contraído o vírus propositadamente, motivando que pessoas saudáveis se misturassem com infetadas, e, assim, cumulativamente, conseguirem obter aquela oportunidade de emprego tão desejada (diríamos, portanto, uma espécie de falso “win win”).

 

  1. Por último, consideramos que há ainda várias questões por responder, como por exemplo, qual o tipo de imunidade proporcionada pelas vacinas ou por já se ter contraído o vírus. Ou seja, significa que estas pessoas estão seguras, mas podem transmitir o vírus?

 

Não obstante o exposto, após a existência de doses de vacinas para toda a população, poderá existir uma interpretação distinta. Isto é, admitir-se como legítimo que o empregador coloque como condição à contratação um ‘passaporte de imunidade’ com a finalidade de prevenção de surtos de contágio, tendo assim em vista a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros.

Por outro lado, no que respeita às situações em que particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. domínios da prestação dos cuidados de saúde), existe uma ponderação a fazer e entendemos que deverá prevalecer o direito à saúde, o que não significa, de modo algum, que a proteção de dados não tenha que ser escrupulosamente cumprida.

Deste modo, em função da necessidade de proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros (e também porque a maioria dos profissionais de saúde já se encontram vacinados), entendemos admissível que tal prática [i.e. passaporte de imunidade] se possa verificar para estes casos concretos desde que cumpridos os pressupostos legais já devidamente identificados e tratados.

 

por Ricardo Lourenço da Silva, Área de Prática – Direito do Trabalho e da Segurança Social

 

https://adcecija.pt/wp-content/uploads/2020/06/logo_horizontal_b-768x75.png
LISBOA
Edifício Amoreiras Square
Rua Carlos Alberto da Mota Pinto, 17 - 2.º piso
1070-313 Lisboa
PORTO
Rua Eugénio de Castro, n.º 352, 2.º andar, sala 26
4100-225 Porto
BRAGA
Rua de Janes, n.º 20, 1.º andar, sala 101
4700-318 Braga

* Chamadas sem custos adicionais, sujeito apenas à tarifa de base.

SOCIAL