O Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo informal e provisório no passado mês de abril sobre legislação temporária que permite que os fornecedores de determinados serviços de comunicações eletrónicas, tais como o correio eletrónico e os serviços de messaging com base na Internet, continuem de forma voluntária a detetar, bloquear, remover e denunciar abusos sexuais de crianças online, até que seja aprovada a legislação permanente anunciada pela Comissão Europeia.
O acordo – que visa viabilizar a legislação europeia temporária que derroga certas disposições da Diretiva “ePrivacy” sobre a privacidade nas comunicações eletrónicas -, tem como objetivo principal proteger as crianças contra toda e qualquer forma de violência e abuso, garantindo a eficácia da atividade voluntária de deteção, bloqueio, remoção e denúncia de conteúdos de pornografia infantil online, por parte de prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo a deteção e denúncia do aliciamento de menores (“grooming”).
O problema surgiu com o novo Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, que entrou em vigor em dezembro de 2020, ao introduzir uma nova definição de serviços de comunicações eletrónicas que passa a incluir os “serviços de comunicações interpessoais independentes do número”, tais como os serviços de mensagens (e de correio eletrónico).
Contudo, com a entrada em vigor daquele mesmo Código Europeu das Comunicações Eletrónica os “serviços de comunicações interpessoais independentes do número” passaram também a estar sujeitos às regras da Diretiva ePrivacy, que garantem a confidencialidade das comunicações eletrónicas e dos dados pessoais.
Ora, e ao contrário do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a Diretiva ePrivacy não inclui uma base jurídica para o tratamento voluntário de dados relativos a conteúdos ou a tráfego tendo em vista detetar materiais que contenham imagens de abusos sexuais de crianças ou de texto relativo ao aliciamento de menores, o que significa que os referidos prestadores de serviços teriam de cessar as suas atividades de monitorização e controlo. Por conseguinte, para estes serviços poderem continuar estas práticas abrangidos pelas regras da confidencialidade da Diretiva ePrivacy, tornou-se necessária uma derrogação legal específica exclusivamente para tais fins.
É neste sentido que o acordo alcançado prevê a derrogação aos artigos 5.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1 da Diretiva ePrivacy, a fim de permitir que os prestadores de serviços continuem a detetar, bloquear, remover e denunciar conteúdo relacionado com abusos sexuais de crianças online.
Não obstante, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o RGPD continuarão a ser aplicáveis em qualquer caso, e várias salvaguardas adicionais garantirão o respeito da privacidade e confidencialidade online.
Com este acordo conseguido sob a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, a União Europeia está na linha da frente do combate ao abuso sexual de crianças online, que se agravou significativamente durante a pandemia.
A luta contra o abuso sexual de crianças é uma prioridade da União Europeia, cuja estratégia para o período de 2020-2025 é orientada no sentido de combater a crescente ameaça de abuso sexual de crianças, tanto offline como online, aperfeiçoando os mecanismos de prevenção, investigação, mas também de apoio às vítimas.
São várias as iniciativas definidas pela União Europeia para criação de um quadro legal robusto para a proteção das crianças e facilitar uma abordagem coordenada entre os vários atores envolvidos na proteção e apoio às crianças, entre as quais a criação de um Centro Europeu para prevenir e combater o abuso sexual de crianças e a dinamização de esforços junto do setor da indústria para assegurar a proteção das crianças através dos seus produtos.
O Regulamento temporário será aplicável por três anos após a sua publicação, ou será revogado antes, caso o instrumento jurídico de longo prazo (já anunciado pela Comissão para o verão de 2021) seja aprovado pelos colegisladores.
Para saber mais aqui
por Ana Catarina Silva, Área de Prática – TMT/Privacidade e Cibersegurança