Compete às empresas adoptar um Plano de Contingência relativamente à propagação do designado Coronavírus, tendo em consideração procedimentos a adotar perante um Trabalhador com sintomas desta infeção. Tendo em conta a evolução do quadro epidemiológico da COVID-19 (Coronavírus), as orientações dadas pela DGS revestem-se naturalmente de fundamental importância.
Desde logo porque compete ao empregador nos termos da Lei, proporcionar aos seus trabalhadores condições que respeitem as regras de segurança de higiene no trabalho. Ora, no caso em apreço tais condições por razões evidentes devem ser reforçadas e na medida do possível, tentar antecipar-se preventivamente cenários de propagação do vírus.
A primeira nota prende-se com a licitude da questão se pode ou deve a entidade empregadora – ainda que de forma absolutamente sigilosa – promover um survey aos seus trabalhadores sobre se os mesmos estiveram no ultimo mês (estima-se que o período de incubação varie entre os 2 e os 14 dias) numa das chamadas zonas vermelhas ou de risco, com especial enfoque para a Itália. Tratando-se, naturalmente, de informação da esfera pessoal do trabalhador (quando tais deslocações não tenham ocorrido do ponto de vista profissional), parece-nos ser licito o tratamento de tal informação, por aplicação do artigo 6º, nº, 1, f) do RGPD, porquanto estamos no âmbito da garantia do cumprimento de obrigação legal, nomeadamente, no que concerne a regras de segurança e saúde no trabalho.
Na mesma linha, entendemos que pode a entidade empregadora – tendo conhecimento de um putativo caso de infecção – pode solicitar a realização de exame médico, nos termos do artigo 19º do Código do Trabalho, uma vez que pode estar em causa quer a sua segurança, quer a de terceiros. Naturalmente que, este exame deve respeitar a legislação laboral no que tange à sua não divulgação, mas tão somente à apreciação da aptidão – ou falta dela – do trabalhador poder continuar a desenvolver a sua atividade. Caso o trabalhador não cumpra esta diretriz por parte da sua entidade empregadora poderá colocar-se numa situação passível de promoção de processo disciplinar.
Parece-nos claro que, a empresa deve estar preparada para a possibilidade de parte (ou a totalidade) dos seus trabalhadores não ir trabalhar, devido a doença, suspensão de transportes públicos, encerramento de escolas, entre outras situações possíveis, e que há uns tempos seriam impensáveis.
Neste contexto é importante avaliar e analisar as seguintes medidas:
- As atividades desenvolvidas pela empresa que são imprescindíveis de dar continuidade e aquelas que se podem reduzir ou encerrar/fechar/desativar.
- Os recursos essenciais que são necessários manter em funcionamento para a empresa e para satisfazer as necessidades básicas dos clientes.
- Os trabalhadores que são necessários garantir, sobretudo para as atividades que são imprescindíveis para o funcionamento da empresa. Deve-se equacionar a possibilidade de afetar trabalhadores adicionais para desempenharem tarefas essenciais da empresa e, se possível, formá-los.
- Os trabalhadores que, pelas suas atividades e/ou tarefas, poderão ter um maior risco de infeção por SARS-CoV-2 (ex. trabalhadores que realizam atividades de atendimento ao público; trabalhadores que prestam cuidados de saúde; trabalhadores que viajam para países com casos de transmissão ativa sustentada na comunidade).
- As atividades da empresa que podem recorrer a formas alternativas de trabalho ou de realização de tarefas, designadamente pelo recurso a teletrabalho (promovendo-se a imperativa adenda ao contrato de trabalho), reuniões por vídeo e teleconferências e o acesso remoto dos clientes. Deve-se ponderar o reforço das infraestruturas tecnológicas de comunicação e informação para este efeito.
- A redução significativa de deslocações nomeadamente para o estrangeiro e, por maioria de razão, para zonas mais afectadas.
Devem ainda estabelecer-se procedimentos específicos:
1.) Processo de alerta de Trabalhador com sintomas e ligação epidemiológica, isto é, como se procede à comunicação interna entre:
2.) O Trabalhador com sintomas – ou o trabalhador que identifique um trabalhador com sintomas na empresa – e a chefia direta e o empregador (ou alguém por este designado).
3.) O empregador e os restantes trabalhadores, ao longo de todo o do vírus, entre as quais se destacam:
- Procedimentos básicos para higienização das mãos;
- Procedimentos de etiqueta respiratória (ex. evitar tossir ou espirrar para as mãos; tossir ou espirrar para o antebraço ou manga, com o antebraço fletido ou usar lenço de papel; higienizar as mãos após o contacto com secreções respiratórias);
- Procedimentos de colocação de máscara cirúrgica;
- Procedimentos de conduta social (ex. alterar a frequência e/ou a forma de contacto entre os trabalhadores e entre estes e os clientes – evitar o aperto de mão, as reuniões presenciais, os postos de trabalho partilhados).
Deve ainda estabelecer-se um conjunto novo de responsabilidades:
− Todos os trabalhadores devem reportar à sua chefia direta, uma situação de doença enquadrada como Trabalhador com sintomas e ligação epidemiológica compatíveis com a definição de caso possível de COVID-19;
− Sempre que for reportada uma situação de Trabalhador com sintomas, a chefia direta do trabalhador informa, de imediato, o empregador (ou alguém por este designado);
Identificar os profissionais de saúde e seus contactos:
Ter disponível na empresa, em local acessível, os contactos do Serviço de Saúde do Trabalho e, se possível, do(s) médico(s) do trabalho responsável(veis) pela vigilância da saúde dos trabalhadores da empresa.
Dever de informação
É necessário informar e formar os trabalhadores acerca deste programa ou plano, bem como, no caso de se estar na presença de um trabalhador(es) suspeito de infeção por SARS-CoV2, ser acionado este plano logo que possível.
Ponto de Situação em Portugal
Estão confirmados à data de hoje dois casos positivos de infecção pelo Coronavirus.
Além da DGS, outras entidades estão a implementar planos de ação para combater este vírus. Atualmente já há empresas a acionar medidas preventivas, como por exemplo, o recurso ao teletrabalho, que vivamente aconselhamos, limitando, assim, o contacto com pessoas, funcionando apenas com os mínimos necessários.
Enquadramento jurídico-laboral
De acordo com o comunicado divulgado pelo SIM (Sindicato Independente dos Médicos), o “elevado número de doentes regressados de Itália que recorreram nos últimos dias presencialmente” a várias unidades de saúde mostra que “é premente a capacitação” destes serviços, incluindo o “aumento substancial da capacidade de diagnóstico laboratorial, bem como a criação de equipas dedicadas de vigilância epidemiológica”.
Por isso, o sindicato exige a criação de “medidas de proteção dos profissionais de saúde, com reforço urgente dos ‘stocks’ de equipamento de proteção individual e a rápida divulgação” do Plano de Contingência Nacional.
O mesmo sindicato fez, também, um apelo à alteração do Código do Trabalho, “para que o isolamento profilático seja incluído nas faltas justificadas”.[1]
Relativamente a este assunto, ainda nada se fez. Contudo, o Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho referiu que, acerca das faltas que possam vir a ser dadas devido à rápida propagação do vírus, os trabalhadores que venham de zonas de risco podem ficar em casa mesmo sem baixa, devendo ser o SNS responsabilizar por isso.[2]
Faltas ao trabalho? Falta justificada preventiva? Emissão de certificados de incapacidade para o trabalho, como numa doença comum? A quem competirá a remuneração da falta?
Há, pois, que distinguir desde já dois planos de analise:
– a manutenção da laboração através de regimes flexíveis como o teletrabalho;
– a falta ao trabalho de cariz preventivo para evitar potencial contagio do vírus a terceiros tendo em conta a segurança do próprio e de outros;
Para situações de quarentena voluntária, ainda que preventiva, mas onde, de facto, exista laboração através de teletrabalho, parece-nos que não se levanta qualquer questão sobre a remuneração desses dias de trabalho. O regime encontra-se tipificado legalmente e o trabalhador encontra-se numa situação de laboração, razão pela qual, competirá à sua entidade empregadora o normal e regular pagamento da retribuição.
Parece-nos que no que concerne à tipicidade de uma potencial falta ao trabalho por motivos relacionados com o Coronavirus – onde não exista laboração – fará sentido ponderar-se, ainda que de forma transitória, que estas faltas sejam tipificadas como justificadas, e sem perda de retribuição. As mesmas não resultam de facto imputável ao trabalhador nem à entidade empregadora.
Também somos do parecer que, para as situações de prevenção de pessoas que tenham circulado em zonas de risco, bem como, para aqueles que venham a ser de facto infectados, deverá ser ponderado a quem competirá o pagamento dos dias de falta, sendo certo que, caso se opte pela emissão de uma incapacidade para o trabalho (ainda que preventiva) – e aqui estamos no âmbito da adoção de uma medida criativa para um problema novo e que não se encontra devidamente respaldado legalmente – a vulgarmente designada “baixa por doença” tal pagamento terá que naturalmente competir à Segurança Social.
Em Espanha a Segurança Social já emitiu um critério para trabalhadores que estão em isolamento preventivo até terem a certeza se estão ou não infetados com o coronavírus, considerando-os como trabalhadores em baixa médica devido a doença comum. No fundo, poderemos estar perante um cenário onde se considera que o trabalhador está numa situação de incapacidade temporária resultante de doença comum. Assim, o trabalhador poderá justificar a sua ausência como sendo uma falta justificada. Faz-nos sentido copiar o que de bem feito foi feito em Espanha.
Considera-se, assim, e recomenda-se que as empresas devem já, neste momento, evitar que trabalhadores seus que tenham estado em zonas de risco contactem com outros no local de trabalho. E os próprios (trabalhadores) também devem ter essa iniciativa.