O Programa “Mais Habitação”, apresentado pelo Governo como tendo em vista promover um conjunto de medidas que contribua para o reforço da oferta habitacional no mercado português, está consubstanciado na Proposta de Lei n.º 71/XV/1.ª (“Proposta de Lei”), aprovada em Conselho de Ministros no passado dia 14 de abril.
Fazemos uma análise das principais medidas fiscais aí previstas, com impacto para as famílias e empresas, e que implicam alterações de relevo em sede de impostos sobre o rendimento, impostos sobre o património, benefícios fiscais e IVA.
- CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE OS ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL (“CEAL”)
Prevê-se a criação de uma nova Contribuição Extraordinária sobre os Estabelecimentos de Alojamento Local – CEAL.
| Incidência objetiva e subjetiva
De acordo com a redação proposta, a CEAL incide sobre os imóveis habitacionais afetos a alojamento local, a 31 de dezembro de cada ano.
A CEAL é devida pelos titulares da exploração dos estabelecimentos de alojamento local. Os proprietários (que não sejam titulares da exploração) nos quais se desenvolva a exploração de alojamento local são responsáveis subsidiários pelo pagamento da contribuição.
Excluem-se da incidência objetiva da CEAL os imóveis localizados no interior bem como os imóveis localizados em freguesias que preenchem os seguintes critérios:
- Sejam abrangidas por Carta Municipal de Habitação em vigor que evidencie o adequado equilíbrio de oferta de habitações e alojamento estudantil no município;
- Integrem municípios nos quais não tenha sido declarada a situação de carência habitacional; e,
- Não tenham qualquer parte do seu território como zona de pressão urbanística.
| Taxa e base tributável
A taxa de CEAL aplicável é de 20%.
A base tributável é apurada pela aplicação dos coeficientes económicos do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais sobre os quais incide a CEAL.
O coeficiente económico do alojamento local e o coeficiente de pressão urbanística são publicados anualmente por Portaria do membro do Governo responsável pela área das Finanças.
| Liquidação e pagamento da CEAL
A CEAL é liquidada pelo próprio sujeito passivo, mediante a entrega de declaração de modelo oficial à Autoridade Tributária, até ao dia 20 de junho, e o respetivo pagamento deve ser realizado até ao dia 25 de junho do ano seguinte ao facto tributário.
- IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (“IVA”)
A Proposta vem modificar a Lista I anexa ao Código do IVA, respeitante aos bens e serviços sujeitos à taxa reduzida de 6%, concretamente, as verbas 2.18 e 2.23, relativas a empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis.
| Verbas 2.18 e 2.23 – Taxa reduzida de IVA (6%)
A verba 2.18 passa a incluir a reabilitação, e já não apenas a construção, de “habitações para arrendamento acessível”, a par de imóveis de habitações económicas e habitações de custos controlados, desde que pelo menos 700/1000 dos prédios em propriedade horizontal ou a totalidade dos prédios em propriedade total ou frações autónomas seja afeta a um dos referidos fins e certificadas por uma das entidades competentes.
Por sua vez, a verba 2.23 do Código do IVA em vigor reporta-se às “empreitadas de reabilitação urbana”. A redação da Lei passa a abranger na taxa reduzida apenas “as empreitadas de reabilitação de edifícios localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou ainda no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.”
- ESTATUTO DE BENEFÍCIOS FISCAIS (“EBF”)
| Revogação da taxa reduzida de IRS de 5% – Mais-valias e rendimentos prediais
A Proposta de Lei vem eliminar a taxa reduzida de IRS de 5% aplicável às mais-valias e rendimentos prediais obtidos por sujeitos passivos na sequência de operações de reabilitação urbana.
| Alienação de imóveis ao Estado ou a Autarquias Locais – Isenção de IRS e IRC
A Proposta prevê a isenção de tributação em sede de IRS e IRC das mais-valias resultantes da alienação de imóveis para habitação ao Estado e/ou Autarquias Locais.
Salvaguarda-se da medida as mais-valias auferidas por residentes em jurisdições sujeitas a um regime fiscal privilegiado, bem como as obtidas na sequência do exercício de direito de preferência.
| Programa de Apoio ao Arrendamento (“PAA”)
No âmbito do Programa de Apoio ao Arrendamento – PAA, propõe-se um novo regime fiscal nos termos do qual ficam isentos de:
- IMT | Aquisições de terrenos para construção destinados à construção de imóveis habitacionais vinculados ao PAA, desde que:
- Pelo menos 700/1000 dos prédios em propriedade horizontal ou a totalidade dos prédios em propriedade total ou frações autónomas seja afeta ao PAA; e,
- O procedimento de controlo prévio de obras de construção em imóveis com afetação habitacional seja iniciado junto da entidade competente no prazo de 2 anos após a aquisição.
- IMT | Aquisição, reabilitação ou construção de prédios urbanos ou frações autónomas para afetação ao PAA;
- IMI | Prédios urbanos ou frações autónomas afetas ao PAA, por 3 anos a contar do ano da aquisição (renovação por 5 anos, não automática).
A aplicação das isenções está condicionada à verificação de uma das duas situações seguintes:
- Celebração de contrato de arrendamento no âmbito do PAA, no prazo máximo de 6 meses contados desde a data de transmissão; ou,
- Manutenção do destino do imóvel, em que assentou o benefício, durante 5 anos desde a data da transmissão.
| Transferência de imóveis de Alojamento Local para Arrendamento – Isenção de IRS e IRC
Com o intuito de promover a oferta de habitação disponível, nomeadamente nos grandes centros urbanos, propõe-se fomentar a transição da afetação de imóveis afetos à exploração de estabelecimentos de alojamento local em arrendamento para habitação permanente, junto dos indivíduos e empresas, mediante a isenção de IRS e IRC, respetivamente, quanto aos rendimentos prediais que daí venham a decorrer.
Esta isenção encontra-se sujeita às seguintes condições:
- Registo e afetação da exploração de estabelecimentos de alojamento local – até ao final de 2022;
- Celebração do contrato de arrendamento para habitação permanente – até ao final de 2024.
O benefício será aplicável a rendimentos prediais obtidos até ao final de 2030.
- IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (“IRS”)
| Reinvestimento das Mais-Valias | Exclusão de Tributação
O regime de exclusão de tributação das mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis cujo destino seja a habitação própria e permanente do sujeito passivo e seu agregado familiar, foi alvo de alterações relevantes com a Proposta de Lei em análise. Destacamos os dois requisitos adicionais que a Proposta de lei se propõe introduzir no Código do IRS:
- O imóvel transmitido terá de se ter destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo e seu agregado familiar, nos 24 meses anteriores à sua alienação;
- Os sujeitos passivos não poderão ter beneficiado deste regime nos 3 anos anteriores ao da alienação, salvo exceções.
| Dedução de seguros de renda
Para efeitos de IRS, os gastos com seguros de renda passam a estar expressamente abrangidos pela norma que prevê a dedução aos rendimentos prediais brutos, relativamente a cada prédio ou parte de prédio.
| Rendimentos Prediais
– Taxa de 28% | taxa de 25%
A Proposta “Mais Habitação” vem consagrar a aplicação de duas taxas distintas a rendimentos prediais, consoante a sua afetação:
- Taxa autónoma de 28% – arrendamento não habitacional
- Taxa autónoma de 25% – arrendamento habitacional
– Arrendamento de longa duração – Taxas reduzidas
– Cenário atual e proposto –
Duração do contrato elegível | Taxas de IRS | Renovação | ||
Atualmente | Proposta de Lei | Atualmente | Proposta | |
Geral |
28% |
28% – Arrendamento Não Habitacional |
– |
– |
25% – Arrendamento Habitacional | ||||
Igual ou superior a 2 anos e inferior a 5 anos |
26% |
25% |
Redução de 2% por renovação, até máx. de 14% |
– |
Igual ou superior a 5 anos e inferior a 10 anos |
23% |
15% |
Redução de 5% por renovação, até máx. de 14% | Redução de 2% por renovação, até máx. de 10% |
Igual ou superior a 10 anos e inferior a 20 anos |
14% |
10% |
–
|
– |
Igual ou superior a 20 anos* |
10% |
5% |
– |
– |
A Proposta de Lei prevê que, no caso de cessação do contrato de arrendamento por motivo imputável ao senhorio – ou, no caso de DHD, por acordo de revogação das partes – opera uma eliminação retroativa da aplicação de taxas reduzidas desde o momento de celebração do contrato ou desde a sua renovação, conforme aplicável, devendo ser regularizada a diferença entre o imposto pago e o que deveria ter sido pago.
| Compensação ao senhorio pelas limitações aos aumentos de renda
Por via das limitações aos aumentos das rendas nos contratos de arrendamento, a Proposta “Mais Habitação” consagra a aplicação dos seguintes coeficientes aos rendimentos prediais obtidos pelos senhorios, após as respetivas deduções em sede de IRS:
- Fixo | 0,90 – Rendimentos prediais sujeitos às taxas gerais progressivas de IRS e/ou à taxa autónoma de 25%;
- Variável | 0,45 a 0,90 – Rendimento prediais sujeitos a taxas reduzidas (de 5% a 26%).
- NORMA TRANSITÓRIA DE IRS | ISENÇÃO DE MAIS-VALIAS PARA AMORTIZAÇÃO DE CRÉDITO
Ao abrigo da Proposta de Lei, é prevista uma isenção de IRS sobre as mais-valias apuradas na transmissão onerosa de terrenos para construção ou de imóveis habitacionais que não sejam destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, cumulativamente:
– O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel, seja aplicado na amortização de capital em dívida em crédito à habitação destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou dos seus descendentes;
– A amortização seja concretizada num prazo de três meses contados da data de realização.
A isenção aplica-se:
a) Às transmissões realizadas entre 1 de janeiro de 2023 e 31 de dezembro de 2024; e
b) Às transmissões realizadas entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2022, desde que a amortização seja concretizada até três meses após a entrada em vigor da presente lei.
- IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE AS TRANSMISSÕES ONEROSAS DE IMÓVEIS (“IMT”)
| Aquisição de Prédios para Revenda – Isenção e Caducidade
O legislador propõe a redução de 3 para 1 ano, entre a compra de um imóvel e subsequente revenda, para a aplicação da isenção de IMT na compra de imóveis para revenda.
Esta alteração reflete um estreitamento do hiato temporal para beneficiar de uma isenção cujo acesso já vinha limitado da redação da Lei do Orçamento do Estado para 2023, que limita o reconhecimento de que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade de compra de imóveis para revenda quando comprovar que nos dois anos anteriores (e não apenas no ano anterior) foram comprados e revendidos imóveis com esse fim.
- IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE OS IMÓVEIS (“IMI”)
| Isenção de IMI – Terrenos para construção de habitações
A Proposta de Lei consagra uma nova isenção no Código do IMI para terrenos para construção de habitações cujo procedimento de controlo prévio para obras de construção de imóveis com fim habitacional, se tenha iniciado, mas para os quais não tenha ainda sido emitida uma decisão final, expressa ou tácita, do procedimento.
Ficam igualmente isentos de IMI os prédios em que o procedimento de controlo prévio de obras de construção se tenha sido iniciado, e para os quais ainda não tenha havido decisão final.
Sempre que tenham sido aplicadas as isenções referidas e venha a ser dada ao prédio utilização diversa de fins habitacionais, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição.
| Coeficiente de vetustez – Alojamento Local
Para efeitos da liquidação de IMI, o coeficiente de vetustez dos prédios que constituam, total ou parcialmente, estabelecimentos de alojamento local, é sempre 1. Esta regra pode implicar o aumento dos valores patrimoniais tributários dos imóveis, com impacto não apenas em IMI como igualmente em Adicional ao IMI.
| Revogação – Inventário | Prorrogação do início de tributação
São revogadas as normas relativas à prorrogação do início de tributação nos casos em que os terrenos para construção ou os prédios passassem a figurar no inventário da empresa que tenha por objeto a sua construção e/ou venda.
Este regime é revogado na sequência da entrada em vigor do regime que prevê a isenção de IMI para os terrenos para construção e prédios cujo procedimento de controlo prévio para obras de construção foi iniciado.
- IMPOSTO DO SELO
| Isenção de Imposto do Selo – Contratos em PAA
Passam a estar isentos de Imposto do Selo os contratos de arrendamento habitacional enquadrados no PAA.
| Comunicação de contratos pelos locatários
A Proposta de Lei vem ainda permitir a possibilidade aos locatários e sublocatários de, caso tal obrigação não seja cumprida pelos locadores ou sublocadores, poderem efetuar as comunicações à Autoridade Tributária dos contratos de arrendamento e subarrendamento.
por Área de Prática – Direito Fiscal