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News & MediaLatest NewsPossibilidade de Pedir a Exoneração numa Segunda Insolvência

13 de Setembro, 2024

 

Em 2024, celebram-se vinte anos desde a aprovação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e, consequentemente, da introdução no nosso ordenamento jurídico do instituto da exoneração do passivo restante.

Este instituto jurídico é inspirado no modelo de fresh start e permite ao devedor que seja uma pessoa singular recomeçar a sua vida económica, libertando-se dos créditos que não tenham sido pagos no processo de insolvência e nos três anos subsequentes ao seu encerramento.

Decorridas duas décadas desde a introdução da exoneração do passivo restante, ainda são várias as questões que se vão levantando sobre o seu regime, sendo abundante a jurisprudência sobre este tema.

Uma dessas questões tem a ver com a possibilidade de o devedor pedir, num segundo processo de insolvência, a concessão da exoneração do passivo restante quando, em anterior processo de insolvência, esse benefício não lhe foi concedido.

O devedor que pretenda beneficiar da exoneração deve requerê-la no início do processo de insolvência. Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido despacho inicial pelo tribunal (no sentido da admissão do incidente), iniciando-se o período de três anos (designado na lei por período de cessão), durante o qual o devedor terá de cumprir um conjunto de deveres, sendo o principal a entrega a uma entidade (o fiduciário, que normalmente é o administrador da insolvência) do seu rendimento disponível – o rendimento que exceda o valor que tenha sido fixado pelo Tribunal como rendimento indisponível (o montante considerado necessário para o sustento minimamente digno do insolvente e do seu agregado familiar e para o exercício da sua atividade profissional). Findos esses três anos, é proferido o despacho final sobre a concessão ou recusa da exoneração. E é só com este despacho que o insolvente fica livre, verdadeiramente, daqueles créditos não pagos.

Além desses dois momentos decisórios do incidente de exoneração (o despacho inicial e o despacho final), existem outros dois momentos processuais que podem vir a ocorrer: a cessação antecipada e a revogação da exoneração.

Durante o período de cessão, a exoneração pode ser recusada se houver fundamento legal para fazer cessar antecipadamente o procedimento.

No ano subsequente ao trânsito em julgado da decisão final de concessão da exoneração, esta pode ser revogada, com os mesmos fundamentos que teriam determinado o indeferimento liminar do pedido ou a recusa antecipada.

No artigo 238.º do CIRE são enumerados os fundamentos de indeferimento liminar do pedido de exoneração, que, no geral, traduzem comportamentos do devedor passíveis de censura. Em concreto a lei revela comportamentos do devedor que indicam que o mesmo não é merecedor do benefício da exoneração, em detrimento dos direitos dos respetivos credores.

Um desses fundamentos de indeferimento liminar do pedido de exoneração é a circunstância de o devedor já ter “beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência”[1]. Ou seja, se o devedor for “recorrente” neste tipo de processos (com uma baliza temporal fixada em 10 anos), não será merecedor de um novo fresh start.

Coloca-se a questão de saber se, neste fundamento de indeferimento liminar, se inclui também o caso de o insolvente, no período de dez anos anterior à data do início do processo, ter formulado pedido de exoneração do passivo restante no âmbito de outro processo,  sobre o qual incidiu despacho inicial de admissão, mas cujo procedimento foi cessado antecipadamente ou, a final, recusada a exoneração, por razões imputáveis ao próprio insolvente.

Estamos perante situações em que o devedor já foi anteriormente declarado insolvente e, nesse processo anterior, foi-lhe dada a possibilidade de beneficiar da exoneração do passivo restante (ao ter sido liminarmente admitido o seu pedido e iniciado/decorrido o período de cessão), mas esse benefício não lhe foi concedido, por ter culposamente incumprido os deveres a que estava sujeito.

São vários os acórdãos dos nossos Tribunais Superiores [2] que se pronunciaram sobre esta questão interpretativa, sendo unânime o entendimento de que apenas a exoneração definitiva concedida noutro processo, no período de dez anos anterior ao início do novo processo de insolvência, constitui fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração.

Logo, a circunstância de o insolvente ter pedido num processo de insolvência anterior a exoneração do passivo restante, mas esse benefício não lhe ter sido concedido (por ter ocorrido cessação antecipada do incidente ou recusa da exoneração), não constitui fundamento de indeferimento liminar de pedido de exoneração formulado no novo processo.

Aqui chegados, importa realçar que esse novo processo de insolvência deverá corresponder, efetivamente, a uma nova situação de insolvência. Ou seja, o passivo e o ativo invocados pelo devedor para fundamentar o novo pedido de insolvência não deverão ser, evidentemente, os mesmos que já existiam à data da anterior declaração de insolvência e que a fundamentaram.

Se o devedor  se apresentar novamente à insolvência (com o intuito de aceder ao benefício da exoneração, que lhe foi antes recusada), invocando o mesmo passivo e ativo que já existia à data da anterior declaração de insolvência, estamos perante a mesma situação de insolvência, que já foi anteriormente reconhecida e declarada por sentença.

Nesse caso, o Tribunal poderá/deverá indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência e, caso não o faça e a insolvência venha a ser declarada, poderão os credores do devedor opor-se a essa declaração de insolvência, mediante a figura processual dos embargos [3].

Note-se que o prazo para dedução destes embargos é de apenas 5 dias.

Devem, pois, os credores estar atentos à ocorrência destas situações, em que os devedores recorrem a um novo processo de insolvência única e exclusivamente para poderem beneficiar da exoneração do passivo restante que anteriormente lhes foi recusada.

Por outro lado, se os devedores se encontrarem efetivamente numa nova situação de insolvência, podem e devem requerer a sua declaração e pedir a concessão do benefício da exoneração, mesmo que este tenha sido anteriormente recusado.

 

[1] Cfr. Alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

[2] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.09.2023 (2642/22.4 T8VIS.C2) e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2024 (3636/23.8T8OAZ.P1), 12.09.2022 (2046/21.6T8STS.P1), 29.09.2021 (451/21.7 T8VNG.P1) e 23.03.2021 (7804/19.9 T8VNG-B.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[3] Neste sentido, cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05.03.2024 (1385/23.6T8STS-C.P1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.07.2023 (2387/23.8T8GMR.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.04.2023 (3916/22.0T8VFX.L1-1)e do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.12.2019 (562/19.9T8FND.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

 

por Gisela César e João Carlos Teixeira, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem

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