Já há muito que todos reconhecemos a pouca utilidade, ou melhor, a diminuta eficácia dos castigos aplicados às sociedades desportivas e aos restantes intervenientes, na sequência dos mais variados assuntos que vêm à baila no panorama desportivo.
São várias as situações que deixam qualquer pessoa, mais ou menos atenta ao desporto, perplexa. A estratégia para se evitar o cumprimento das sanções aplicadas começa a ser de tal forma conhecida que, quando é tornado público algum castigo, os termos “recurso” e “providência cautelar”, passam a ser repetidamente utilizados.
No decorrer da época desportiva de 2020/2021, o “Caso Palhinha” veio acentuar a problemática da justiça desportiva e a necessidade de reformular a forma como está concebida, pois, de forma altamente inacreditável e improvável, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) veio pronunciar-se sobre uma questão emergente de normas disciplinares da competição (mais concretamente, sobre a atribuição do quinto cartão amarelo e consequente cumprimento de um jogo de suspensão), contrariando, na sua plenitude, a própria Lei do TAD.
Fazendo, antes de mais, um pequeno enquadramento, temos assistido à aplicação de castigos por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, sendo que o potencial infrator utiliza os meios desportivos – nomeadamente recurso para o TAD ou para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol – mas também os meios comuns de justiça, mais concretamente os Tribunais Administrativos.
Todas as decisões que extravasam do âmbito da justiça desportiva acabam por recair sobre uma sentença de um tribunal menos especializado nestas matérias e, como não poderia deixar de ser, é expectável que a decisão seja muito menos célere e, na maioria dos casos, inconsequente.
Já a justiça desportiva, no que à celeridade diz respeito, tem funcionado dentro do expectável (com algumas exceções), traduzindo-se em castigos a cumprir dentro de prazos razoáveis. Sucede que, os infratores/arguidos têm sempre possibilidade de recurso – até para cumprimento da garantia dos direitos constitucionalmente consagrados – o que acaba por reverter o objetivo dos tribunais/órgãos especializados em matérias desportivas.
No dia 11 de fevereiro de 2022, assistimos ao jogo realizado entre o F.C. Porto e o Sporting C.P., sendo que, ficou na retina, não só de todos os adeptos de desporto, mas também dos que menos ligam ao fenómeno, pelos episódios de violência (verbal e física) protagonizados pelos jogadores, equipas técnicas, diretores e outros agentes desportivos, como o diretor de campo ou o diretor de segurança.
Todo este cenário resultou, no âmbito do processo disciplinar n.º 110/21-22, tornado público a 19 de julho de 2022, na interdição do estádio do F.C. Porto por dois jogos, além de uma multa de € 25.245,00. Esta interdição iria, se não fosse apresentada qualquer defesa, ocorrer nos jogos contra o C.S. Marítimo(06.08.2022) e exatamente contra o Sporting C.P. (20.08.2022).
No entanto, e mais do que expectável, a SAD do F.C. Porto interpôs recurso para o TAD, nos termos do previsto nos artigos 4.º, n.º 1 e 3 e 54.º da Lei do TAD.Contudo, este recurso não tem efeitos suspensivos – de acordo com o artigo 53.º da mesma lei – tendo obrigatoriamente de intentar uma providência cautelar dentro do mesmo órgão. Traduzindo, o TAD encontrava-se a analisar, ainda que perspetivas e argumentativas diferentes, o mesmo jogo e os mesmos incidentes, mas através de dois processos distintos.
Mais recentemente, da convolação do processo de inquérito n.º 37 – 2020/2021, instaurado em 13.04.2021, tramitado na Comissão de Instrutores da LPFP, e concluído por esta em 28.06.2022 e tornado público a 09.08.2022, o Fábio Coentrão, internacional português, foi punido com um jogo de suspensão.
Sucede que, o Fábio Coentrão já abandonou a carreira de jogador de futebol, sendo público que se dedicou à atividade piscatória (sempre se pode argumentar que o seu regresso aos relvados é uma possibilidade), o que vem provar, uma vez mais, que os castigos têm, obrigatoriamente, de ser céleres, sob pena de existirem mais situações, tal como esta e outras, em que, entre infrações e castigos não existe uma conexão natural. É quase como se o “crime compensasse” ou, pelo menos, fica a ideia de que o castigo é algo a cumprir dali a muito tempo.
Resulta, por todo o exposto, que a justiça desportiva está cada vez mais dependente da justiça comum o que, como todos sabemos, a torna mais morosa e, numa última análise, mas fundamental, interfere com a verdade desportiva.
Importa, em jeito de conclusão, demonstrar que a justiça desportiva tem, como expoente máximo, a especialização e conhecimento profundo sobre todas as especificidades desportivas. Quando transitamos para a justiça comum, este conhecimento é menor, traduzindo-se em decisões tomadas com algum desconhecimento das normas desportivas, o que impacta com a enorme relevância social que estes temas têm.
Urge alterar a legislação em vigor, mantendo a justiça desportiva como parte fundamental e exclusiva (salvo algumas exceções) para dirimir os litígios decorrentes desta atividade.
A reforma da justiça desportiva servirá, também, para que a indústria fique mais rica e mais segura, para que a verdade desportiva não saia beliscada. Seria transmitida uma imagem de maior credibilidade para todos os stakeholders, beneficiando, no imediato, todos os intervenientes, desde clubes, sociedades desportivas, federações e adeptos.
por João Carlos Teixeira e Carlos Ferreira Vaz, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem