Da sua Admissibilidade e da Competência Material dos Tribunais
Os acidentes de trabalho são eventos que, para além das consequências físicas e financeiras, podem também gerar impactos emocionais e psicológicos nos trabalhadores.
Estes últimos impactos podem ser ressarcidos a título de danos não patrimoniais e traduzem-se em prejuízos imateriais que, apesar de não afetarem diretamente o património do trabalhador, podem ter consequências profundas na sua qualidade de vida.
No contexto jurídico, danos não patrimoniais são aqueles que afetam bens imateriais da pessoa, como a sua integridade física, emocional e psicológica.
Exemplos comuns incluem o sofrimento físico causado por uma lesão, o trauma psicológico decorrente do acidente, a perda da capacidade de realizar determinadas atividades de lazer e o próprio impacto do acidente nas relações pessoais e familiares.
1.1 – Da admissibilidade da indemnização por danos não patrimoniais em caso de acidente de trabalho:
Na legislação portuguesa, os acidentes de trabalho são regulados pela Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que trata do Regime Jurídico da Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (LAT).
A reparação de um acidente de trabalho compreende prestações em espécie, tais como prestações de natureza médica e medicamentosa, e prestações em dinheiro, como a indemnização pela incapacidade temporária e o pagamento de uma pensão vitalícia.
O art. 7.º da LAT estipula que é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, a pessoa singular ou coletiva de direito privado relativamente ao trabalhador ao seu serviço, sendo esta responsabilidade objetiva e com base no risco, constituindo este um dos casos especificados na lei em que existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa.
Note-se que esta responsabilidade deve obrigatoriamente ser transferida para uma seguradora autorizada a explorar o ramo de acidente de trabalho, como imposto pelo art. 79.º n.º 1 da LAT.
Assim, em caso de acidente de trabalho, é a seguradora responsável por prestar toda a assistência médica relacionada com o sinistro, efetuar o pagamento da indemnização por incapacidade temporária e, por fim, em caso de incapacidade permanente, efetuar o pagamento de uma indemnização em forma de capital de remição ou de pensão vitalícia, consoante o grau de incapacidade permanente fixado.
Aqui chegados, é possível verificar que, por norma, não é possível peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais em caso de acidente de trabalho[1].
Sem prescindir, a LAT, no seu art 18.º n.º1, prevê uma exceção a esta regra quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador ou resultar de falta de observação por aquele das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Nesta situação, a indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais, o que implica uma ampliação dos danos indemnizáveis em consequência de um acidente de trabalho, sem prejuízo da responsabilidade criminal que daí também possa advir.
Certo é que não basta existir o simples incumprimento das regras de segurança e saúde no trabalho para que o acidente seja imputado à entidade empregadora: é necessário provar o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a ocorrência do acidente.
Para tanto, é necessário provar que o acidente é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a dinâmica do acidente.
Recentemente, sobre esta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência ao decidir que, para que se possa imputar o acidente e as suas consequências à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, é necessário apurar se, nas circunstâncias do caso concreto, essa violação se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem essa violação. [2]
1.2 Da competência material dos Tribunais:
Tendo em consideração que o próprio regime da LAT remete para a responsabilidade civil geral, discute-se ainda na jurisprudência qual é o Tribunal competente para conhecer o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
O art. 18.º n.º1 da LAT admite uma extensão da competência do Tribunal de Trabalho quando o pedido principal diz respeito ao direito à reparação do acidente previsto na lei laboral, principalmente por motivos de celeridade e economia processual.
Contudo, não existe nenhuma obrigação legal para se proceder nesse sentido.
De facto, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-06-2024, proc. n.º 1686/22.0T8LRA.C1, decidiu que os tribunais cíveis são materialmente competentes para o conhecimento de pedidos de indemnização por danos não patrimoniais e lucros cessantes, ao abrigo dos artigos 483.º e 496.º n.º 2 do Código Civil, fundamentados na violação das regras de segurança no trabalho.
Assim, não obstante o pedido ter como fundamento a violação das regras de segurança e saúde no trabalho, a realidade é que o mesmo não visa obter uma reparação pelos danos emergentes de acidente de trabalho, mas antes a reparação, nos termos gerais, dos danos causados por um ilícito culposo.
Em suma, a legislação apenas admite o ressarcimento por danos não patrimoniais quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador ou resultar de falta de observação por aquele das regras sobre segurança e saúde.
Trata-se, de facto, de uma objetivação da responsabilidade infortunística, que se basta, neste caso, com a prova de que a violação das regras de segurança se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente para a imputação do mesmo à entidade empregadora.
No que concerne à competência material dos Tribunais, a legislação não consagra a competência exclusiva do Tribunal de Trabalho, razão pela qual quer o tribunal cível quer o tribunal laboral são competentes para conhecer estes pedidos.
Assim, certo é que, embora os danos não patrimoniais só sejam indemnizáveis em casos estritos, é necessário promover uma maior consciencialização sobre os direitos dos trabalhadores e os deveres das entidades empregadoras.
por Rui de Amorim Mesquita e Aline Barbosa, Área de Prática – Seguros e Responsabilidade Civil
[1] Tal situação já não ocorre quando o acidente de trabalho é simultaneamente um acidente de viação, isto é, quando o mesmo ocorre no percurso casa-trabalho ou vice-versa. Neste caso, é que é possível peticionar danos não patrimoniais no processo de acidente de viação.
[2] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, de 13 de maio, in: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024 | DR (diariodarepublica.pt)