Em janeiro, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 114-D/2023, de 5 de dezembro, que transpôs para o ordenamento jurídico português a Diretiva (UE) 2019/2121, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, que visou reformular e uniformizar, no espaço europeu, o regime jurídico das transformações, fusões e cisões transfronteiriças.
Este Decreto-Lei veio introduzir alterações muito relevantes no que respeita às transformações, fusões e cisões transfronteiriças, refletidas em diversos diplomas legais, nomeadamente no Código das Sociedades Comerciais.
O regime das fusões, cisões e transformações foi amplamente modificado, tanto no plano nacional como a nível transfronteiriço, tendo sido criados novos regimes jurídicos para as cisões e para as transformações transfronteiriças.
A. Alterações no Plano Nacional
- Fusões Internas
No âmbito das fusões internas, foi alargado o conjunto de elementos que devem constar do Projeto de Fusão a registar, bem como da convocatória da Assembleia Geral das sociedades participantes, onde tal Projeto de Fusão será submetido a aprovação.
De igual modo, também o âmbito do relatório pericial foi alargado de forma a incluir um parecer fundamentado sobre a adequação e razoabilidade da contrapartida pela aquisição das participações sociais.
Outra alteração relevante diz respeito ao prazo para a oposição dos credores, que anteriormente era de um mês após a publicação do registo do Projeto de Fusão, tendo sido alargado para três meses.
Por conseguinte, após o registo do Projeto de Fusão, as sociedades participantes têm agora de aguardar três meses para lhes ser possível registar a fusão definitivamente, sendo certo que os credores terão sempre de ter solicitado a satisfação do crédito ou garantia adequada há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido.
- Cisões e Transformações Internas
A este respeito, a alteração mais substancial e particular incide sobre a responsabilidade dos membros do órgão de administração, que passam a ser solidariamente responsáveis pelos danos causados à sociedade, aos seus sócios e aos credores, resultantes da cisão ou transformação, caso não tenham observado a diligência de um gestor criterioso e ordenado na verificação da situação patrimonial e na conclusão da operação.
Também no plano das cisões internas, importa notar que, por se aplicar subsidiariamente o regime das fusões, as alterações acima referidas refletem-se igualmente nos Projetos de Cisão e nos prazos de oposição dos credores à cisão projetada.
B. Alterações no Plano Transfronteiriço
Conforme referido, foram estabelecidos novos regimes para as cisões e transformações transfronteiriças e introduzidas alterações ao regime das fusões transfronteiriças.
- Fusões transfronteiriças
Quanto às fusões transfronteiriças, todas as sociedades participantes na operação devem elaborar um Projeto Comum de Fusão que, além dos elementos anteriormente exigidos, deve agora incluir o projeto de alteração a introduzir ao contrato e, se for caso disso, aos estatutos da sociedade incorporante; ou o projeto de contrato e, se aplicável, de estatutos da nova sociedade.
Os órgãos de administração das sociedades participantes na fusão devem agora elaborar um relatório destinado aos sócios e aos trabalhadores, do qual constem os fundamentos jurídico-económicos da fusão, bem como a explicitação das suas implicações para os trabalhadores e para a atividade futura de cada uma das sociedades participantes na fusão. Este relatório deve ser disponibilizado eletronicamente com a antecedência mínima de 6 semanas face à data designada para a reunião da Assembleia Geral que deliberar sobre a fusão.
Os representantes dos trabalhadores têm o direito de apresentar um parecer até a data da Assembleia Geral que deliberará sobre a fusão, e, se tal suceder, a administração deve comunicar o parecer aos sócios, anexá-lo ao relatório e responder às questões antes da realização da Assembleia. Ademais, o Projeto Comum de Fusão deve ser acompanhado de parecer do órgão de fiscalização, bem como de parecer do Revisor Oficial de Contas, exceto se todos os sócios concordarem em dispensá-lo.
No prazo de 2 meses após a inscrição da fusão no registo comercial, deverá ser efetuado o pagamento de todas as contrapartidas da aquisição das participações sociais oferecidas no Projeto Comum de Fusão aos sócios das sociedades participantes.
Caso o sócio considere que a contrapartida da aquisição das suas participações sociais é inadequada, tem o direito de pedir ao tribunal, no prazo de 6 meses, que seja fixada contrapartida adequada. No mesmo seguimento, o sócio que tenha votado contra o projeto de fusão tem o direito de exigir, no prazo de 1 mês a contar da data da deliberação de fusão, que a sociedade adquira ou faça adquirir a sua participação social mediante contrapartida adequada, desde que, em virtude da fusão, lhe tenham sido atribuídas participações sociais na sociedade resultante da fusão regidas pela legislação de um outro Estado-Membro da União Europeia.
- Cisões e transformações transfronteiriças
As cisões e transformações transfronteiriças passam a ter regimes próprios, encontrando-se definidos os respetivos âmbitos e conceitos. Tanto no âmbito das cisões como das transformações, foram fixados novos elementos que terão de constar nos respetivos projetos.
No que concerne às cisões transfronteiriças, cumpre salientar que estas se subdividem em três modalidades distintas: cisão parcial, cisão total e cisão por separação.
Complementarmente, as disposições relativas às cisões e transformações internas são subsidiariamente aplicáveis às cisões e transformações transfronteiriças, especialmente no que diz respeito ao processo de tomada de decisão sobre a cisão ou transformação.
Em ambas as operações, verificaram-se, igualmente, alterações no que respeita à proteção dos credores sociais, ao controlo da legalidade das operações e à elaboração de relatório pericial, nomeadamente, a previsão do prazo de três meses para a dedução de oposição judicial por parte dos credores das sociedades participantes, à semelhança do regime da fusão transfronteiriça.
Importa ainda salientar que o registo de todas estas operações é de caráter oficioso, sendo realizado pelos serviços de registo comercial que, num primeiro momento, emitem um certificado prévio que comprova o cumprimento dos atos e das formalidades prévias à operação e, posteriormente, através do Sistema de Interconexão, notificam os registos competentes dos Estados-Membros envolvidos na operação do registo da operação e da emissão do respetivo certificado prévio.
Concluindo, a alteração levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 114-D/2023, de 5 de dezembro, configura uma significativa contribuição para a harmonização das normas aplicáveis às fusões, cisões e transformações transfronteiriças, traduzida no objetivo de estabelecer um mercado interno sem fronteiras, preocupado com a proteção social, os trabalhadores, credores e sócios.
por Amílcar Silva e Tânia Nogueira, Área de Prática – Direito Comercial e Societário