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18 de March, 2020

Os efeitos do COVID – 19 no âmbito da contratação privada e pública

Importa, antes de mais, referirmos, que esta informação não tem a pretensão, bem pelo contrário, de tratar exaustivamente os impactos que o Covid – 19 tem no âmbito dos contratos, sejam eles de natureza pública ou privada. Esta informação tem, assim, apenas a pretensão de consubstanciar um tratamento célere e prático das questões típicas que todos os operadores, públicos e privados, colocam relativamente aos contratos a que estão vinculados

Sabe-se que o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, veio estabelecer as medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus, COVID – 19. Neste diploma aprovou-se um regime excecional de contratação pública onde se reconhece, de forma geral, a possibilidade de recurso ao ajuste direto por motivo de urgência imperiosa para efeitos de escolha do procedimento para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços.

Mas a maioria das preocupações surge, neste momento, não tanto com a contratação pública a concretizar mas antes com os efeitos da pandemia que estamos a viver na execução e no cumprimento dos contratos públicos e privados já celebrados, num momento em que a economia transnacional teve já um enorme decrescimento, estimando-se que, em Portugal, a nossa economia tenha um decréscimo de 2,5% e com perspetivas de recuperação lenta com início no último trimestre deste ano.

Todos sabemos que os negócios se celebram e produzem efeitos porque foram pretendidos pelos seus outorgantes. Contudo, circunstâncias há que alteram sobremaneira a execução dos contratos e que não dependem da vontade das partes.

Ora, a crise do coronavírus, com o surgimento do novo Covid-19 e os efeitos das medidas de quarentena aplicadas pelos Estados mais (ou menos) afetados, tem começado a pôr em causa a estabilidade e o cumprimento dos contratos, verdadeira base de toda a atividade económica.

Em suma, as economias ressentem-se a vários níveis e as consequências cedo batem à porta das empresas e famílias.

Importa assim perceber se a crise do coronavírus constitui um caso de força maior e, em consequência, se a parte que incumpre um contrato, por causa dessa crise, pode suspender total ou parcialmente a execução do mesmo ou, no limite, resolvê-lo. Pode ou não pode? É esta, no fundo, a questão com que os agentes económicos estão a ser confrontados. E podendo fazê-lo existe alguma obrigação de indemnizar a contraparte? A resposta a esta questão será, porventura, tão importante como à primeira, porque, garantidamente, condicionará a decisão a tomar quanto ao que fazer ao contrato, de natureza pública ou privada, celebrado e em execução.

  1. Direito Privado

1.1 Contratos (escritos) que preveem uma cláusula de “força maior”

Caso os contratos estejam sujeitos à lei portuguesa, há que verificar, antes de mais, se os contratos contêm uma cláusula de força maior, “Force Majeure”, “Acts of God”, em que as partes preveem a suspensão temporária ou até a extinção das suas obrigações, sem qualquer dever de indemnização, em face de acontecimentos inesperados e que fogem ao seu controlo, normalmente, previstos de forma exemplificativa, no próprio contrato, como atentados terroristas, guerra, fenómenos naturais, greves, etc.

Se assim for bastará fazer uso da cláusula prevista no contrato para a sua suspensão ou resolução, consoante o caso, comunicando-se à contraparte, fundamentadamente, os factos que sustentam tal pretensão. Importa deixar claro que o ónus de prova da existência de força maior cabe sempre à parte que alega a crise do coronavírus que estamos a viver como motivo para não cumprir o contrato, a qual deve demonstrar que existe uma relação causal entre aquele motivo de força maior e o não cumprimento, já que o coronavírus, por si só, pode não ser causa suficiente e única para que se obtenham os efeitos pretendidos com a invocação de força maior; ou seja, ter-se-á sempre que se fazer a prova de que o cumprimento do contrato se tornou impossível, mais difícil ou mais oneroso,  demonstrando-se,

assim, uma verdadeira impossibilidade objetiva (por facto não imputável ao devedor) de cumprimento.

Entre as várias causas poderá alegar-se a indisponibilidade de colaboradores (porque, por exemplo, optam pela quarentena voluntária), falhas nos abastecimentos, dificuldades nos transportes ou mesmo decisões de encerramento ou definição de zonas restritas pelas autoridades.

1.2 Contratos não reduzidos a escrito ou que não preveem uma cláusula de “força maior”

Há ainda que saber o que fazer nos casos em que o contrato não foi reduzido a escrito ou simplesmente não estipula qualquer cláusula de força maior. Nestes casos, é verdade que não será tão fácil proteger a parte que não efetuou a sua prestação devido à crise do Coronavírus; no entanto essa tarefa não se afigurará, de todo, impossível. Muito mais difícil mas não impossível.

Num e noutro caso (pontos 1.1 e 1.2), verificada que foi a “força maior”, a obrigação extingue-se, sem lugar a qualquer obrigação de indemnização, ou suspende-se se a impossibilidade for temporária e existir possibilidade de ser prestada noutro momento mas, note-se, sem obrigação de pagamento de juros moratórios. Quem se encontre numa situação de impossibilidade de cumprimento da prestação contratual deve comunicá-lo à contraparte, invocando o caso de força maior em causa e atribuindo-lhe os efeitos que ao caso se apliquem, ou seja, a extinção do contrato ou a suspensão temporária do mesmo. Nestes casos de impossibilidade podemos incluir o encerramento de estabelecimentos por determinação das autoridades, isentando a parte que suspende o contrato ou dele se desvincula de responsabilidade pelos danos causados. A invocação, pela empresa afetada, de meras dificuldades (mas não de impossibilidade, temporária ou definitiva) de cumprimento do contrato, estará, em princípio, votada ao insucesso. Acresce ainda que, para além da invocação de caso de força maior, a empresa, na situação de pandemia que vivemos, poderá socorrer-se do regime excecional da “alteração das circunstâncias” previsto no artigo 437.º do Código Civil. O regime em causa prevê que um determinado contrato possa ser resolvido ou modificado por uma das partes segundo juízos de equidade se (i) as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, (ii) desde que a exigência das obrigações assumidas pela parte afetada ponha em causa gravemente os princípios da boa fé e (iii) não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. Embora este regime seja um regime de aplicação excecional, a jurisprudência nacional vem aceitando a sua aplicação, em casos como o da desvalorização abrupta e excessiva da moeda ou crises do sistema financeiro ou até o encarecimento inesperado de matérias primas devido a crises inesperadas, decidindo que tais factos não podem ser vistos como riscos próprios dos contratos sob pena de se violarem gravemente os princípios da boa fé contratual. Em termos de prova aplica-se a este instituto o que se referiu em cima para os casos de força maior.

2. Direito Público

2.1. Quais os efeitos do caso de força maior num contrato administrativo?

O caso de força maior, como evento impeditivo da realização de uma prestação contratual, pode ter diferentes modalidades e nada diverge do que atrás deixámos referido no que respeita ao direito privado. Isto é, o mesmo pode ser temporário ou definitivo, consoante a prestação contratual esteja temporariamente impossibilitada ou definitivamente inviabilizada. Por outro lado, pode ser total ou parcial, consoante esteja comprometida a integralidade ou apenas uma parte das prestações contratuais que conformam o objeto contratual.  

As diferentes modalidades do caso de força maior influenciam as soluções possíveis. Assim, havendo uma impossibilidade temporária, o artigo 297.º do CCP prevê expressamente a possibilidade de suspensão do contrato pelo período temporal necessário à cessação da causa que motiva a suspensão, retomando-se a sua execução a partir de tal momento. Já num cenário de impossibilidade definitiva a consequência será a exoneração do contraente que, por causa do caso de força maior, ficou impossibilitado de cumprir as suas obrigações contratuais.

Esta é, pois, uma súmula telegráfica acerca deste assunto tão atual, sendo de referir, por último, que, na nossa ordem jurídica, vigora o princípio, fulcral e fundamental, que vem desde há séculos, de que os contratos são para ser cumpridos, ponto por ponto, vírgula por vírgula, e só determinadas exceções, como as que em cima se deram nota, podem levar, mediante prova cabal para o efeito, a que o mesmo seja afastado.

Departamento Contecioso

João Teixeira | jteixeira@adcecija.pt

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