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News & MediaLatest NewsEleições legislativas 2024: alterações laborais no horizonte?

27 de Março, 2024

O Direito do Trabalho é moldado por um conjunto de fatores, nomeadamente históricos, económicos, sociais e, sobretudo, políticos. Com efeito, é conhecida a permeabilidade da regulamentação das relações laborais à orientação dos decisores políticos, visível por exemplo nas sucessivas alterações ao Código do Trabalho (19 em pouco mais de 15 anos de vigência), claramente marcadas pela visão que cada maioria legislativa tinha sobre o emprego e as relações de trabalho.

Assim, antecipa-se a possibilidade de as recentes eleições para a Assembleia da República poderem ocasionar novas alterações legislativas em matéria de Direito do Trabalho, em especial considerando que os programas eleitorais de todos os principais partidos políticos previam medidas relativas às relações de trabalho.

Por esse motivo, e apesar da linguagem frequentemente geral e programática empregue nos programas eleitorais partidários, a análise das medidas projetadas nestes documentos poderá permitir um vislumbre sobre o sentido de eventuais alterações legislativas planeadas para a próxima legislatura em matéria de Direito do Trabalho.

Considerando que não é possível percorrer os programas de todos os partidos políticos com assento parlamentar, nem analisar exaustivamente todas as medidas com relevância laboral, propomos destacar as principais medidas de índole laboral dos programas eleitorais dos dois partidos políticos mais votados: a Aliança Democrática (de ora em diante “AD”, cujo programa pode consultar aqui) e o Partido Socialista (de ora em diante “PS”, cujo programa pode consultar aqui).

 

Programa eleitoral da AD: Mudança Segura

  1. Revisão do Código do Trabalho, com vista à simplificação e racionalização do articulado e de redução de custos com procedimentos administrativos onerosos, e do Código Contributivo, no sentido de garantir a sua simplificação e a convergência da proteção social dos trabalhadores independentes, cuidadores informais e trabalhadores nas plataformas digitais e em trabalho remoto com os trabalhadores subordinados.
  2. Aumento dos rendimentos do trabalho, nomeadamente através do (a) aumento do salário mínimo nacional para 1.000 euros, em 2028, com base em ganhos de produtividade e diálogo social, e (b) estabelecimento de uma isenção de contribuições e impostos sobre prémios de produtividade por desempenho até ao limite correspondente a um mês de remuneração base.
  3. Reforço do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, nomeadamente da (a) possibilidade de transição entre regimes de horário de trabalho e de trabalho remoto por acordo entre as partes ou por iniciativa do trabalhador, (b) flexibilização do gozo de férias e da possibilidade de aquisição de dias adicionais de férias e (c) proteção em caso de discriminação, exploração laboral e assédio.
  4. Reforço da Autoridade das Condições de Trabalho (ACT), através da criação de um serviço para arbitrar diferendos entre as partes.
  5. Valorizar a concertação social e o diálogo social, nomeadamente através do impulso da mesma com vista ao aumento da produtividade, da negociação de critérios de representação para publicação de portarias de extensão e da revisão das normas legais que podem ser afastadas por contratação coletiva.
  6. Reestruturar o sistema de formação profissional, nomeadamente através (a) de programas de emprego para jovens qualificados, (b) da promoção de cheques-formação dirigidos a empresas e trabalhadores para a aquisição de competências, (c) da publicação de um Código da Formação Profissional que colija a legislação existente, e (d) da promoção da formação profissional na área digital, de molde a permitir o acompanhamento da transição digital.

 

Programa eleitoral do PS: Plano de Ação para Portugal Inteiro

 

  1. Promoção de políticas de emprego, focado no combate ao desemprego, precariedade e na qualidade do emprego, nomeadamente através da (a) revisão das políticas de emprego em vigor e direcionamento das mesmas para setores emergentes, considerados prioritários ou com forte potencial de crescimento e qualificação da economia, e (b) melhoria da ligação entre o serviço público de emprego e as estruturas de apoio à criação de projetos empresariais em setores emergentes e prioritários.
  2. Reforço das condições de trabalho, nomeadamente, (a) o diálogo social para aumento progressivo do salário mínimo mensal nacional para, no mínimo, 1.000 euros até 2028, (b) a promoção da igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, através da monitorização da aplicação da lei de igualdade salarial nas empresas e do alargamento do sistema de representação igualitária de género nos conselhos de administração e em cargos executivos para além das empresas cotadas em bolsa, (c) a adoção de instrumentos de transparência sobre os níveis de rotatividade nos quadros de pessoal e dos leques salariais praticados pelas empresas, e (d) o aprofundamento, no âmbito da concertação social, da proteção laboral dos trabalhadores das plataformas digitais.
  3. Reforço das competências das diferentes autoridades administrativas com responsabilidades laborais, designadamente, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP), na área das políticas públicas de emprego, da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), na área da igualdade de género no ambiente de trabalho, e da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), na área da inspeção do cumprimento da lei laboral.
  4. Reforço do associativismo, sindical e empresarial, e do diálogo social, através (a) de incentivos à sindicalização e ao associativismo empresarial, (b) da criação de um mecanismo de informação sobre as associações representativas e sobre a contratação coletiva sectorial por ocasião da celebração de novos contratos de trabalho e da criação de empresas e (c) da regulamentação do direito à representação e negociação coletiva dos trabalhadores independentes em situação de dependência económica.
  5. Promoção da formação profissional, com o objetivo de qualificação e atualização dos trabalhadores e desempregados, nomeadamente através (a) de um novo acordo plurianual até 2030 e de uma política nacional de formação profissional, (b) de uma Lei-Quadro da Formação Profissional que consagre um corpo normativo sistematizado e coerente e (c) do lançamento de programas de formação especializada de curta e média duração em setores críticos para a economia.

 

Atendendo à fragmentação da Assembleia da República e à inexistência de uma maioria de um partido único, afigura-se provável que, ainda que as medidas descritas venham orientar eventuais alterações à legislação laboral, serão provavelmente objeto de compromissos interpartidários, podendo sofrer alterações significativas em consequência.

 

por Pedro da Quitéria Faria e Lourenço Fernandes-Thomaz, Área de Prática – Direito do Trabalho e da Segurança Social

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