No passado dia 26 de janeiro, foi publicado na 1.ª sério do Diário da República, o Acórdão n.º 2/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) no âmbito do processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A.
Por meio do referido Acórdão, veio o STJ uniformizar a jurisprudência quanto à questão de saber em que termos pode o dano da perda de chance processual servir de fundamento à obrigação de indemnizar e, em particular, se pode ser indemnizada toda e qualquer perda de chance processual ou somente uma perda de chance consistente e séria.
A este respeito, acordaram os Senhores Juízes Conselheiros em estabelecer a seguinte uniformização: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
Estavam em causa dois processos em contradição jurisprudencial, que versavam sobre a alegada falta de cumprimento de deveres profissionais por parte de um mandatário forense. No caso do Acórdão recorrido, o advogado não recorreu e, no caso do Acórdão fundamento, o Advogado não apresentou rol de testemunhas – tendo em ambos os casos o resultado final dos processos acabado por ser desfavorável aos respetivos mandantes.
Vejamos, então, em suma o que fundamentou tal decisão de uniformização jurisprudencial:
- Quanto à prova da existência de dano, entendeu o STJ que deve estar em causa a “prova da consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida”.
- Por outras palavras, mais do que afirmar e provar que, sem as faltas imputáveis aos mandatários forenses, o resultado final dos processos seria favorável aos mandantes, é necessária a prova de que, em face de tais faltas, os mandantes perderam “chances” de ganhar os processos.
- O STJ concretiza esta fundamentação afirmando que para se estar “perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável do que a sua ocorrência”.
- A probabilidade de ganho de causa deverá, assim, ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento.
- Afirma ainda o STJ que é ao lesado que incumbe o ónus de provar a verificação do dano, e., “a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida”, que se traduz na “suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense”.
- Tal ficou a dever-se ao facto de, no entendimento do STJ, a responsabilização dos mandatários forenses, pese embora não possa passar sempre incólume, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho de um processo judicial, ter que respeitar a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados (caso contrário, qualquer mandante lesado sentir-se-ia livre para, face ao insucesso do seu caso, peticionar a responsabilização do mandatário forense que o patrocinou).
- Por último, a respeito da fixação do quantum indemnizatório, o STJ conclui que, sendo muito difícil quantificar, na maioria dos casos, a probabilidade de ganho de causa, deverá recorrer-se a fixação equitativa do montante indemnizatório, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
por João Carlos Teixeira e Andrea Gaspar, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem