No passado dia 13 de setembro foi publicada a Lei 117/19, que veio introduzir um conjunto de alterações importantes ao Código de Processo Civil – em matéria de inventário, recurso de revisão e ação executiva – procedendo, igualmente, e em consequência, a alterações ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de obrigações contratuais, aprovado pelo DL 269/98, de 1 de setembro.
– Em matéria de processo de inventário é revogado o regime de inventário notarial aprovado pela Lei 23/2013, de 5 de março;
A experiência da transferência da competência para a tramitação dos processos de inventário nos cartórios notariais, iniciada em 2013, revelou várias dificuldades que esta lei visa combater: Desde logo, viu-se frustrado o propósito último de aumento da celeridade nos procedimentos, com os processos que correm nos cartórios notariais a revelarem-se (ainda) mais demorados. Constatou-se, ainda, por outro lado, uma inacessibilidade objetiva de muitos cidadãos ao procedimento por ausência de cartórios notariais na sua área de residência (92 concelhos do país não dispõem de cartórios notariais privados). A par disto, tem-se vindo a constatar que a tutela dos interesses de menores, maiores acompanhados e ausentes, se revelava insuficiente na vigência do anterior regime, por falta de previsão da intervenção do Ministério Público no processo.
Com vista a colmatar estas dificuldades, estabelece-se na Lei 117/2019, como regra, uma competência concorrente entre os tribunais e os cartórios notariais para o processo de inventário, deixando-se aos cidadãos, na maior parte dos casos, a possibilidade de escolha da instância em que pretendem que corra o processo de inventário.
Consagra-se, no entanto, uma competência exclusiva dos tribunais nos casos em que o inventário (i) é requerido pelo Ministério Publico, (ii) algum dos herdeiros não pode, por ausência ou incapacidade de facto permanente, intervir na partilha por acordo ou (iii) o inventário é iniciado na dependência de um outro processo judicial.
– O regime do recurso de revisão também sofre alterações significativas;
Por se entender que o regime vigente, no que toca às sentenças proferidas à revelia do réu, não assegurava um nível adequado de defesa dos interesses de quem não interveio no processo, sem culpa sua, consagra-se a possibilidade de o réu que não teve conhecimento do processo por causa que não lhe é imputável, ou que não contestou a ação por motivo de força maior, poder agora lançar mão do recurso extraordinário de revisão por forma a obter a revogação da decisão condenatória e a anulação do processo até à citação, com vista a deduzir defesa.
Por outro lado, passa a constituir fundamento de recurso de revisão, a suscetibilidade de a decisão recorrida ser geradora de responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional. Abandona-se, assim, o requisito de revogação prévia da decisão geradora de responsabilidade.
Neste caso, o recurso deve ser interposto também contra o Estado e, sendo julgado procedente, é concedido ao recorrente um prazo de 30 dias para deduzir o seu pedido indemnizatório.
– São ainda introduzidas alterações em matéria de ação executiva;
Salienta-se como mais relevante a que visou aumentar a proteção legal à casa de morada de família num cenário de penhora. Neste sentido, as alterações introduzidas definem limitações importantes à penhorabilidade do imóvel que constitua a habitação própria permanente do executado que passa a ser apenas penhorável na medida em que, estando em causa ações de valor igual ou inferior a € 10.000, a satisfação do crédito reclamado não seja possível no prazo espectável de 30 meses por recurso à penhora de outros bens do executado, ou , estando em causa ações de valor superior a € 10.000, na medida em que a satisfação do crédito reclamado não seja possível por recurso à penhora de outros bens do executado, no prazo de 12 meses.
A tutela dos interesses do réu condenado à revelia também é assegurada em sede executiva. Adita-se ao elenco dos fundamentos de oposição à execução, os casos de revelia absoluta ou falta de contestação, não imputáveis ao executado ou que procedam de caso de força maior. Nestes casos, o recebimento dos embargos suspende a execução, sem necessidade de prestação de caução.
Com o propósito de aumentar a proteção do consumidor contra cláusulas contratuais gerais abusivas, o diploma introduz um conjunto de alterações ao Código de Processo Civil que se destinam a garantir o controlo das cláusulas cuja ilegalidade e caráter abusivo são de conhecimento oficioso pelo tribunal que fica assim munido dos elementos necessários à efetivação do controlo de legalidade exigido pelo legislador.
Nas execuções fundadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, acolheu-se o princípio geral da preclusão dos meios de defesa que poderiam ter sido deduzidos na fase declarativa, consagrando-se, expressamente, que não deduzindo oposição à Injunção, fica o devedor impedido de fundamentar os embargos de executado com meios de defesa que poderia ter deduzido em sede declarativa.
Abre-se, no entanto, exceções para alguns argumentos que poderão sempre fundamentar os embargos de executado, como sejam as exceções perentórias de conhecimento oficioso e a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas.
As alterações previstas neste diploma entram em vigor a 1 de janeiro de 2020 e serão apenas aplicáveis aos processos iniciados a partir da data de entrada em vigor.