As empresas de seguro estão sujeitas ao dever de sigilo conforme previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), devendo guardar segredo de todas as informações de que tenham tomado conhecimento no âmbito da celebração ou da execução de um contrato de seguro, sendo que tal dever é de natureza imperativa.
É entendimento da nossa jurisprudência que a existência deste dever de sigilo consiste na salvaguarda, por um lado, de um interesse de ordem pública, que tem por base o regular funcionamento da atividade de seguros, alicerçada num clima generalizado de confiança, bem como, por outro lado, na proteção dos interesses dos intervenientes, tomador de seguro, beneficiário e segurador, impedindo, assim, o acesso não autorizado de terceiros a informações sobre a vida privada e familiar de uma pessoa, conforme estipulado no artigo 80º do Código Civil e no artigo 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
A violação deste dever de sigilo pode originar a aplicação de uma coima entre € 7.500 e € 500.000. Pior e mais grave, são as situações em que se infrinja o dever de sigilo revelando ou divulgando, no todo ou em parte, dados pessoais. Tal conduta é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Este dever de sigilo não é, porém, um valor absoluto. A lei prevê diversas situações em que o sigilo pode ser derrogado face a outros interesses públicos ou privados a defender, sendo necessário fazer-se uma análise casuística baseada nos princípios da necessidade, proporcionalidade e de colaboração com a justiça. É, por exemplo, o caso dos ilícitos previstos e punidos nos termos da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que aprovou as medidas de combate à criminalidade organizada (MCCO), e perante a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, ambas nas suas redações atualizadas.
Sucede que, em muitos casos, os despachos das autoridades judiciárias dirigidos às empresas de seguro no sentido de estas prestarem algumas informações não permitem aferir se estamos perante um crime em que é possível existir a quebra do sigilo, como sejam, v.g., os crimes de terrorismo, organizações terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo, associação criminosa, participação económica em negócio ou até branqueamento de capitais. Perante uma situação destas, as empresas de seguro, sob pena de verem ser-lhes aplicadas aquelas sanções, deverão invocar o dever de sigilo e não prestar as informações solicitadas, o que dá origem à abertura de um incidente processual tendente a verificar a legitimidade dessa recusa. Não obstante, a verdade é que as autoridades judiciárias tendem a ser lestas a invocar a aplicação de multas às empresas não colaborantes mesmo quando invocam aquele dever de segredo, facto que subverte o sistema e leva a que as empresas de seguro, com receio de terem de pagar as multas, prestem as informações solicitadas violando um dever que a lei lhes impõe. Esta circunstância faz esvaziar o dever de conteúdo e retira qualquer valor processual ao dito incidente.
Somos da opinião que as informações obtidas através deste comportamento devem ser consideradas como prova proibida, por violação de uma disposição imperativa sobre o dever de sigilo e da tramitação do incidente de escusa, fazendo com que as autoridades judiciárias requeiram a intervenção do tribunal competente para a decisão da prevalência do interesse preponderante e não se limitem, com ameaça de aplicação de multas, a pedir as informações que pretendem.
por João Carlos Teixeira e Soraia Varela Almeida, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem