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News & MediaLatest NewsO artigo 14º do Regime Geral das Infrações Tributárias

20 de Outubro, 2023

Sobre a constitucionalidade do artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05 de junho)

A aplicação do artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) tem vindo, há largos anos, a ser discutida na jurisprudência, suscitando dúvidas acerca da sua constitucionalidade.

Dispõe o artigo 14.º do RGIT, sob a epígrafe “Suspensão da execução da pena de prisão”, no seu n.º 1, que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.

Resulta, portanto, da letra do referido artigo, que a suspensão da execução da pena de prisão estará, nos crimes tributários, sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, e do montante dos benefícios indevidamente obtidos. Dispões, ainda, a aludida norma quais as soluções a adotar pelo Tribunal em caso de incumprimento da condição, nomeadamente, poderá o juiz: a) exigir ao arguido garantias de cumprimento, b) prorrogar o período de suspensão, ou c) revogar a suspensão da pena de prisão.

Ora, são inúmeras as questões que se levantam no âmbito da aplicação desta norma. Ocupar-nos-emos, apenas, por ora, do facto de o legislador parecer não ter considerado a concreta situação do arguido que, a priori, não tem e não se prevê que venha a ter capacidade económica para cumprir com a condição legalmente estabelecida.

Vejamos,

Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, que determina os pressupostos e duração da suspensão da execução da pena de prisão, entre o mais, que o tribunal “suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Assim, numa primeira fase, o juiz, levando em consideração todos aqueles pressupostos, decidirá se a suspensão da execução da pena de prisão satisfará, ou não, as exigências de prevenção. Depois, concluindo afirmativamente, ver-se-á confrontado com a condição imposta no artigo 14.º do RGIT.

O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de ser necessário, para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura – Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 24 de outubro.

Ora, da formulação do juízo de prognose, o juiz poderá concluir tanto pela possibilidade de cumprimento da condição de suspensão legalmente imposta, como pela sua impossibilidade.

Neste último caso, que caminho deverá o juiz seguir? Adiar o cumprimento efetivo da pena de prisão, aplicando ao arguido uma condição que sabe, desde logo, não ter aquele capacidade para cumprir? Deverá voltar atrás na determinação da sanção a aplicar – mesmo tendo já concluído ser aquela a adequada – e optar por uma outra? E, no caso de não ser aplicável a pena de multa, quando não deva/possa ser aplicada outra pena de substituição, poderá o juiz decidir, desde logo, pela prisão efetiva?

Em qualquer umas das opções, sempre estará em causa o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, prejudicando-se o arguido exclusivamente em razão da sua situação económica. E o mesmo se diga em relação aos princípios da adequação e da proporcionalidade das sanções penais. Todos eles princípios cujo cumprimento sempre deverá o Juiz observar na individualização da pena.

A solução, parece-nos, deverá passar pela interpretação conjugada do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, com o previsto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, que determina que “os deveres impostos – como condição da suspensão – não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.

Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em 26 de fevereiro de 2014, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1467/11.7IDLSB.L1-3, naqueles casos onde, da formulação do juízo de prognose, resulte a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de cumprir o dever que lhe é imposto, tal imposição representaria para o arguido uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, contrariando o disposto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal.

Assim, tal como acontece nos restantes crimes, nos crimes tributários só poderá ser imposta a condição prevista no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, caso, formulado o juízo de prognose, se conclua pela existência de condições para o seu cumprimento.

Outra solução, como vimos, colidiria, sempre, com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade, ínsitos na Constituição da República Portuguesa.

 

por Alexandra Mota Gomes e Sara Rios Vieira, Área de Prática – Criminal, Contraordenacional e Compliance

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