O acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos é um direito fundamental consagrado na nossa constituição. Quer isto significar que a justiça não pode ser denegada a quem não tenha meios económicos suficientes para o efeito. Não há nem pode haver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. A todos, independentemente das suas concretas condições económicas, deve ser possível defender os seus direitos e interesses através dos tribunais. Este tema é um tema verdadeiramente central na discussão que se faz nos dias de hoje sobre a Justiça. Mais, na discussão que se faz sobre como é difícil, atualmente, ir-se a um qualquer tribunal e pleitear. Por via da ação ou por via da defesa. E é difícil (em muitos casos impossível) porque vigora, de há uns anos a esta parte, um sistema de custas processuais verdadeiramente incompreensível, tais são os valores (sobretudo) das taxas de justiça que têm que ser pagas para que alguém se possa defender num tribunal. Todos dizem o mesmo e nada se faz, apesar de se prever, para breve – tal é o clamor público -, a alteração do sistema de custas processuais, já que não há um setor na justiça, e na sociedade, que não afirme o que neste texto se defende. Como dizia há dias, e bem, o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, a justiça que hoje temos no nosso país é “classista”. Não pode ser. Não é isso que a nossa Constituição postula e o legislador ordinário, sempre atreito a alterar, rever, cortar e colar, deve encontrar fórmulas para que o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais seja uma realidade. Para todos. E não é isso que sucede. Porque, para além de outras situações claramente identificáveis e que são flagrantes, o atual sistema de apoio judiciário, alvo, também de muitas e constantes críticas, não se aplica a todos: aplica-se às pessoas singulares mas não se aplica às empresas. Ora, por princípio, fará algum tipo de sentido que uma empresa, tal como uma pessoa singular, não possa intentar uma ação em tribunal, ou defender-se de uma ação judicial, para defesa dos seus direitos e interesses, porque está, do ponto de vista económico, impossibilitada de suportar taxas de justiça altíssimas? A empresa, como extensão dos seus sócios, que criam um ente autónomo, deve ter evidentemente a possibilidade de poder litigar num tribunal tal como de uma pessoa singular se tratasse. Curioso é que, para uma empresa se apresentar à insolvência, não paga já taxa de justiça…numa situação em que a empresa já poucas possibilidades tem de ser salva. Ora, isto não pode ser. Não é aceitável. Não é justo. Temos também que entender uma empresa com a conotação social que tem na comunidade, fonte de geração de receitas e de criação de emprego. Uma empresa tem tanto direito a litigar como uma pessoa singular. Deve ter as mesmas armas e os mesmos instrumentos jurídicos. E também no acesso aos tribunais. Uma empresa deve poder litigar em tribunal mesmo quando, num determinado momento, não tem capacidade económica para o efeito. E por falar em tribunais, não fosse o entendimento do nosso Tribunal Constitucional acerca desta matéria (vide Acórdão n.º 86/2017, recentemente publicado em Diário da República) e, na verdade, vigorava, de forma ilógica, o disposto no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, onde se determina que “as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a proteção jurídica”. Não fosse esse entendimento, o entendimento do guardião do sentir jurídico de uma comunidade, que se espelha numa constituição de um Estado, e, na verdade, era aquela norma que se aplicaria sem dó nem piedade: a empresa X ou Y não pode aceder ao sistema de apoio judiciário (que lhe permitiria, por exemplo, num processo em tribunal, não pagar taxas de justiça ou pagá-las faseadamente). Isto seria dizer à empresa X ou Y que não se pode defender. Porque se não tem capacidade económica para isso não se pode defender. Ao contrário, e felizmente, o nosso Tribunal Constitucional entende que assim não é, devendo, também quanto às empresas, fazer-se uma avaliação concreta da sua situação económica. No identificado acórdão, o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional aquela norma da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas. Não seria de esperar outra coisa. Assim, também às empresas não lhes é negado este direito sem terem a oportunidade de demonstrar, em concreto, que padecem de insuficiência económica para poder representar-se em tribunal. O Tribunal Constitucional cumpriu, uma vez mais, o seu papel. A bem da Justiça e da sua realização concreta e diária.
News & MediaNewslettersAs empresas e o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais
26 de Maio, 2017