Com a necessidade de regular e profissionalizar os clubes portugueses, em 2013 foi publicado o Decreto-Lei 10/2013, de 25 de janeiro, que “estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais”.
Este regime jurídico trouxe, essencialmente, como desígnios, a retirada das estruturas estritamente associativas (desde logo, para diminuir as desigualdades existentes) do futebol profissional e escrutinar, em todas as vertentes, a constituição e operacionalização dos alicerces societários do futebol, cujo governance se pretende sobretudo, transparente.
Obviamente, e como em todas as áreas da sociedade que o direito pretende regular, a sociedade caminha a um ritmo mais acelerado que o direito. Ainda assim, parece-nos claro que o legislador já se deveria ter proposto a promover alterações e/ou atualizações a este diploma, em nome da transparência, ou talvez, em virtude, tantas vezes da falta de transparência.
Precisamente por não se verificar uma atualização do diploma há bastante tempo, sempre que ocorrem situações dúbias no futebol que levantam dúvidas jurídicas, o nosso direito não tem resposta. As interpretações que são dadas à lei – pela tentativa insana de encontrar uma resposta -, são exageradamente extensivas e andam à boleia do interesse do intérprete.
A ausência de legislação clara e adequada levou-nos a casos como o que veio a ocorrer entre o Clube de Futebol “Os Belenenses” e a sua SAD.
De tal forma são divergentes os entendimentos sobre esta matéria que existe quem entenda que o clube pode afastar-se da Sociedade Desportiva, mas também há quem defenda que não, tendo em conta tratar-se de um vínculo ad aeternum.
Por outro lado, parece fundamental que um novo capítulo sobre o investimento privado nas Sociedades Desportivas seja criado.
É frequente ouvirmos que “investidor adquiriu uma percentagem (minoritária ou maioritária) de uma SAD”. Na maioria das vezes, nem as próprias sociedades desportivas conhecem a origem do capital que está a ser utilizado, qual a sua real intenção, ou mesmo o contexto pessoal e motivacional desse investimento. E mais que tudo… se, tal investimento efetivamente servirá para catapultar o clube para uma realidade melhor ou, pelo contrário, colocará aquela instituição numa situação mais difícil.
A realidade que assistimos é que estes “investimentos” muitas das vezes são um bolso cheio de nada, que colocam a SAD ainda pior do que ela estava ou, então, numa fase inicial compram, vendem, prometem e, na hora da verdade, desaparecem. E o que deixam como património? O tumulto, desconforto, descrença e desconfiança daqueles que teimam em vestir a camisola e viver os seus clubes.
Do ponto de vista global, estes projetos têm de ser pensados, adaptados à realidade e não podem servir meramente para ganhar dinheiro de forma rápida.
Importa, para o efeito, que se crie um mecanismo capaz de fiscalizar estes investimentos, a sua credibilidade e a sua legalidade, à imagem do que é feito em Inglaterra. Veja, a título de exemplo, a polémica recente sobre a aquisição do Newcastle – existem fiscalizações necessárias, como o “Owners’ and Directors’ Test”, constante do manual da “The Football Association”, onde os próprios clubes da Premier League tentaram vetar esta compra, devido às relações bastante estreitas entre o “Public Investment Fund (PIF)” e o governo saudita.
Esta transparência apenas pode ser comprovada se for possível ter a informação de todos os detentores de participações no capital social (com um mínimo de relevo) ou dos direitos de voto, sejam eles pessoas singulares ou pessoas coletivas, e, no caso destas últimas, quem são os seus reais beneficiários.
Importa que o tecido empresarial do mundo do futebol seja, tal como em outras áreas de atividade, uma atividade aberta e transparente, que se guie por padrões de elevada dignidade, transparência e clareza, que sirva para atrair riqueza e desenvolvimento a todas as competições.
Porque se em tantos outros aspetos, o futebol não pode ser terra sem lei, então a quem o dirige e suporta financeiramente, deve ser igualmente o exigido – sob pena de existir sempre uma pirâmide governativa totalmente desequilibrada e altamente desinspiradora.