Apesar da enorme relevância prática, e talvez por o seu objeto ser uma questão eminentemente técnica, pouco se falou do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 13/2023, proferido pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça e publicado em Diário da República no passado dia 21 de novembro de 2023.
A seminal importância deste aresto advém do alinhamento que impõe a uma teimosa, mas significativa, corrente jurisprudencial que insistia em ler na lei o que não só não estava lá escrito como não era, de todo, o visado pelo legislador na génese da norma em causa e que é a prevista no artigo 14.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Preceitua o dispositivo em causa que “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”
Note-se como é clara a lei a consagrar a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação no processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença que declara a insolvência.
Todavia, desde o início de vigência do diploma que rege o processo de insolvência, em 2004, assistimos a uma castradora verve das nossas instâncias na interpretação da lei e, como tal, a uma inaudita plêiade de decisões, erradas e injustas, no sentido da inadmissibilidade de recursos de revista interpostos de decisões proferidas pelos tribunais da relação em outros apensos a processos de insolvência, não subsumíveis ao especificamente apontado na lei e que é o apenso de embargos à declaração de insolvência.
Porque se impunha, veio agora o Colendo Supremo Tribunal de Justiça fazer sobrestar esta tendência, uniformizando jurisprudência no sentido oposto, o certo, e asseverando que “A regra prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, restringe o acesso geral de recurso ao STJ às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência.”
Esta interpretação em nada contende com o fim que levou à expressa previsão da irrecorribilidade de acórdãos proferidos pelos tribunais da relação nos autos principais de processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, que é celeridade que se impõe, precisamente, na declaração, ou não, da situação de insolvência. E faz jus ao evidente elemento literal da norma e, bem assim, ao elemento histórico, conquanto da exegese dos trabalhos preparatórios de elaboração do diploma avulta uma alteração do texto da lei, precisamente, da abrangência total da irrecorribilidade numa redação inicial para a irrecorribilidade restringida nos termos em que o foi na lei aprovada.
São plúrimas e assaz relevantes as questões, jurídicas e de facto, que emergem em consequência de um processo de insolvência, sendo que o direito ao recurso é um direito com consagração constitucional, como reflexo do Princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, e a sua compressão só pode e deve ocorrer quanto existir um enquadramento que o torne curial e justificável.
Salvo o muito respeito que é devido por opinião em diverso sentido, não deveria ter subsistido por tantos anos esta injustificada querela. Anote-se o acerto, tardio mais eficaz, da uniformização agora preconizada.
Admita-se a revista, faça-se Justiça.
por João Carlos Teixeira e Pedro Archer Cameira, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem