I. Introdução
O Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferiu recentemente um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência sobre o IVA aplicável às empreitadas realizadas em Áreas de Reabilitação Urbana (“ARU”), em que decidiu contra os particulares e a favor da Autoridade Tributária (“AT”).
Nesse Acórdão, o STA sentenciou que a aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% às empreitadas de reabilitação urbana pressupõe não só que se realizem em ARU, mas também que para tais ARU tenha sido “previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana” (“ORU”).
Portanto, de acordo com a decisão do STA, às empreitadas realizadas em ARU para as quais não tenha sido também aprovada ORU, não deve ser aplicada a taxa de IVA de 6%, mas de 23%.
II. 6% de IVA na Reabilitação
Até 2023, o Código do IVA determinava que ficavam sujeitas à taxa reduzida de IVA, de 6%, as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em ARU. Tais empreitadas podem consistir em obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de edifícios.
Com o programa “Mais Habitação”, em 2023, o Código do IVA deixou de aplicar a taxa de 6% às “empreitadas de reabilitação urbana”, passando a aplicar a taxa reduzida de IVA às “empreitadas de reabilitação de edifícios”. Estas empreitadas pressupõem sempre a preservação do edificado existente.
Apesar desta mudança, o programa “Mais Habitação” previu que os projetos urbanísticos pendentes à data sua entrada em vigor, bem como os projetos a iniciar após essa data, desde que apresentados na sequência de um PIP anterior, continuam a poder beneficiar da taxa reduzida de IVA.
Assim, muitas empreitadas de reabilitação urbana em curso e ainda a iniciar, podem ainda beneficiar da taxa de IVA de 6%, apesar da mudança legislativa.
III. ARU e ORU
Há dois conceitos essenciais para a compreensão do regime da reabilitação urbana: ARU e ORU.
As ARU correspondem a áreas territorialmente delimitadas (pelos Municípios competentes) que carecem de uma intervenção integrada que permita a regeneração das infraestruturas urbanas e dos edifícios.
Já uma ORU é um conjunto integrado de intervenções destinadas à reabilitação das ARU. Quer dizer: são a estratégia adotada para a realização da reabilitação urbana nas ARU.
A cada ARU deve corresponder uma ORU. No entanto, a lei permite que possam ser aprovadas separadamente. No caso de não ser aprovada uma ORU para uma ARU no prazo de 3 anos, a ARU caducará.
IV. O Acórdão
Desde há alguns anos, alguns serviços de finanças têm vindo a sustentar que, para que uma empreitada possa beneficiar da taxa de 6% de IVA, não basta que seja realizada em ARU sendo também necessário que para essa ARU se encontre aprovada uma ORU. Este entendimento era (e é) contestado por muitos, já que essa exigência não resulta expressamente da lei.
Os tribunais, sobretudo os tribunais arbitrais, têm sido chamados a pronunciar-se sobre esta questão, havendo decisões divergentes. Assim, em face de uma decisão do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) sobre esta matéria, que deu razão à AT, foi interposto recurso para o STA, para Uniformização de Jurisprudência.
O STA, decidindo a favor da AT, uniformizou jurisprudência, declarando que a possibilidade de os particulares usufruírem da taxa reduzida de IVA, no âmbito da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, depende, não só da localização da obra em ARU, mas também da existência de uma ORU previamente aprovada para tal ARU. De acordo com o Tribunal, nem todas as obras realizadas em ARU são, necessariamente, “empreitada de reabilitação urbana”, sendo necessário que se enquadrem num “plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios”, que são corporizados nas ORU.
V. Consequências do Acórdão
Segundo os dados do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, em Portugal encontram-se em vigor 1626 ARU. Dessas, apenas 636 (portanto, cerca de 39%) têm ORU aprovada.
Portanto, de acordo com o sentido jurisprudencial uniformizado pelo STA, as empreitadas realizadas na generalidade das ARU portuguesas não podem ser qualificadas como de reabilitação urbana para efeitos de aplicação da taxa reduzida, por não terem associadas ORU aprovadas.
Ainda que os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não tenham força de lei, os tribunais de primeira e segunda instâncias devem passar a seguir as orientações jurisprudenciais uniformizadas, que só podem ser contrariadas se existirem razões muito fortes que ainda não tenham sido devidamente consideradas.
A coberto desta nova orientação jurisprudencial, é previsível que a AT venha agora a iniciar procedimentos inspetivos no sentido de reapreciar o tratamento conferido pelos promotores, com um limite, por regra, de 4 anos). Em consequência, poderá ser liquidado adicionalmente o IVA correspondente à diferença entre a taxa reduzida de 6% e a taxa normal de 23%), sempre que tenha sido liquidado IVA a 6% nas empreitadas realizadas em ARU para as quais não tenha sido aprovada ORU.
Além da liquidação de IVA, os promotores incorrem ainda na contingência dos juros compensatórios e coimas.
De igual forma, o novo Acórdão do STA põe em causa a possibilidade de os promotores aplicarem IVA a 6% em empreitadas em curso ou a iniciar em ARU para as quais não se encontrem aprovadas ORU (e que sejam realizadas ao abrigo da redação da verba 2.23 anterior ao programa “Mais Habitação”).
Para dar resposta às incertezas e desafios suscitados por este Acórdão, a Antas da Cunha Ecija constituiu uma Task Force multidisciplinar, composta por advogados de diversas áreas de prática, dedicada a apoiar os seus Clientes na superação das exigências impostas pela nova jurisprudência uniformizada. Esta equipa especializada prestará assessoria, não só na relação com a AT, mas também nas interações com os Municípios e na execução de contratos, assegurando um acompanhamento integral e estratégico em todas as vertentes impactadas pela recente decisão judicial.
por Task Force – Direito Fiscal & Direito Imobiliário e Urbanismo