No passado dia 5 de agosto de 2021, foi publicado em Diário da República o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) n.º 2/2021, que procedeu à uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:
“A venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário”.
Previamente à decisão apresentada era entendido que, por via de aplicação analógica do artigo 824.º n.º 2 do Código Civil, o contrato de arrendamento caducava com a venda executiva, uma vez que este limita o direito de propriedade, garantido através da hipoteca anteriormente constituída e registada, não devendo ser oponível ao adquirente.
É relevante mencionar que o arrendamento em sentido amplo tem sofrido várias transformações ao longo do tempo, sobretudo através de alterações legislativas, o que tem permitido que deixe de ser considerado como um simples ónus sobre os imóveis e evolua para um instrumento de investimento e de melhoria do mercado imobiliário. Alguma dessas alterações legislativas foram as seguintes:
- Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (Novo Regime do Arrendamento Urbano);
- Lei n.º 12/2019, de 12 de fevereiro (Proíbe e pune o assédio no arrendamento, procedendo à quinta alteração ao Novo Regime do Arrendamento Urbano);
- Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro (Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade).
Assim, conforme a perspetiva demonstrada na referida decisão, num contrato de arrendamento estão envolvidos terceiros de boa-fé que nada têm que ver com a relação de crédito ou com a garantia de um crédito a que o imóvel esteja vinculado. Note-se que o arrendamento, como direito obrigacional por natureza, não implica necessariamente uma limitação, mas sim, pelo contrário, implica uma vantagem para o proprietário do bem uma vez que produz um rendimento.
A referida divergência revelou-se evidente no âmbito do processo que deu origem a esta decisão do STJ, uma vez que da mesma legislação resultaram diferentes decisões dos acórdãos proferidos pelas instâncias precedentes, sempre sobre a mesma questão de direito. A própria decisão do STJ revelou-se bastante polémica, conforme se verifica pela votação dos juízes desse tribunal. A natureza de uniformização de jurisprudência do Acórdão tem por objetivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma discussão que há muito se encontrava por resolver.
Em suma, o Acórdão em análise manifesta-se em sentido oposto ao que, até então, era o entendimento do STJ relativamente a este tema, o qual considerava que uma venda efetuada nos termos identificados supra, faria caducar o contrato de arrendamento e, consequentemente, os direitos do arrendatário.
por João Carlos Teixeira e António Dias da Silva, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem