Entrou em vigor, no passado dia 21 de março, a Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro (“Lei”), que aprovou as medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção e, entre outras, procedeu a diversas alterações ao Código de Processo Penal, aplicáveis, não só aos novos processos, mas também aos processos em curso.
Um dos principais vetores que deu mote à referida Lei prende-se com a morosidade dos processos, nomeadamente os de especial complexidade.
Acontece que, volvidos poucos dias da entrada em vigor da Lei, alguns dos efeitos que se fazem sentir parecem ir ao oposto do globalmente almejado. Desde logo, os efeitos que decorrem das alterações realizadas nos dispositivos que regulam a matéria de impedimento dos juízes e a representação processual da pessoa coletiva arguida (ou entidade equiparada).
Procedeu-se, assim, à redefinição do âmbito do artigo 40.º do Código de Processo Penal, com a introdução de uma nova redação de duas das suas alíneas e o aditamento de dois novos números.
O novo artigo 40.º do Código do Processo Penal determina o impedimento do juiz quando este tenha praticado anteriormente atos no processo. Esta alteração legislativa que muito se louva, por salvaguardar a imparcialidade dos magistrados nos casos em que impede que o mesmo juiz que presidiu ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou tenha mandado extrair certidão em diferente processo por crimes de falsidade de depoimento ou declaração, venha também presidir ao julgamento, pode originar atrasos processuais adicionais.
O legislador ao optar, na alínea a) do n.º 1 do novo artigo 40.º, pela remissão, no seu todo, para os artigos 268.º, n.º 1, e 269.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, consagrando, por conseguinte, que o juiz que tenha praticado, ordenado ou autorizado qualquer um dos atos ali previstos, não possa intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão, consubstancia uma opção legislativa que, na prática, conjetura um eventual efeito inverso ao pretendido com as alterações ora operadas.
Exemplos práticos mais comuns destes atrasos, serão certamente as declarações de impedimento dos juízes que tenham decidido quanto à admissão, junto dos autos respetivos, do requerente na qualidade de assistente, ou quanto à realização de perícia sobre características físicas ou psíquicas de um qualquer interveniente quando não haja consentimento.
Estes impactos não se farão sentir apenas na fase de julgamento ou de recurso, mas também na fase de instrução, onde o juiz estará impedido de nela intervir se tiver praticado, em inquérito, algum dos aludidos atos, conforme dispõe o novo n.º 2 do referido artigo 40.º.
As presentes alterações legislativas poderão comportar mais (e maiores) atrasos, com a repetição de atos processuais, e com a necessidade de se proceder a uma nova distribuição dos processos, o que causará graves transtornos à boa administração da justiça, nomeadamente em comarcas com reduzido número de magistrados, onde a realização de debates instrutórios e julgamentos serão certamente protelados por vários meses.
Devemos, porém, reconhecer que, neste âmbito, o combate à morosidade processual e a efetivação e reforço das garantias de defesa do arguido são fins muitas vezes antagónicos e que dificilmente são conciliáveis pelo legislador.
Já no que toca ao novo artigo 57.º, n.º 9, do Código do Processo Penal, a alteração visa impedir que a representação da pessoa coletiva arguida seja efetivada por pessoa singular que também tenha a qualidade de arguida no processo – o que acontece na grande maioria dos casos.
Uma vez mais, se devemos aplaudir a preocupação do legislador na busca de uma representação isenta da pessoa coletiva arguida, não podemos deixar de questionar em que posição fica uma boa parte do tecido empresarial português, espelhada em sociedades unipessoais. A quem caberá, nesses casos, a representação da pessoa coletiva?
Outra opção não restará que não a nomeação, por recurso às normas processuais civis, de um curador especial, por parte do tribunal, com escasso (ou mesmo nulo) conhecimento por detrás da realidade que motivou a instauração do processo.
Na verdade, para além da morosidade e dos custos associados, tal medida acaba por ser também lesiva dos direitos de defesa da pessoa coletiva arguida.
por Alexandra Mota Gomes e Rui Ferreira Antunes, Área de Prática – Criminal, Contraordenacional e Compliance