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NewslettersPedro da Quitéria da FariaInfo Laboral | Janeiro 2016

26 de Janeiro, 2016

INFO LABORAL

JURISPRUDÊNCIA LABORAL

DECISÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM, DE 12 DE JANEIRO DE 2016

CASO BARBULESCU V. ROMÉNIA

Pedro da Quitéria Faria | Sócio
Jaime Costa | Associado

 

A. FACTOS

Barbulescu, cidadão romeno, foi informado pela entidade empregadora de que a sua conta profissional foi monitorizada, tendo sido apurado que utilizou a Internet da empresa e a sua conta profissional para fins pessoais.

Nos termos do regulamento interno da referida entidade, é proibida a utilização da Internet, do e-mail profissional e de outros recursos da entidade para fins privados.

A entidade empregadora apresentou ao trabalhador um transcrito de 45 páginas das suas comunicações privadas, utilizando os recursos da empresa, efetuadas durante horário de trabalho. Deste transcrito constavam igualmente outras comunicações realizadas através de uma conta pessoal, mas utilizando a Internet da entidade empregadora, realizadas também durante o horário de trabalho.

O trabalhador defendeu que, ao aceder às suas comunicações privadas, a entidade empregadora violou o seu direito à correspondência privada, previsto e protegido pela Constituição Romena e pelo Código Penal Romeno.

Porém, o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Recurso não deram razão ao trabalhador pois, em conformidade com o Código de Trabalho Romeno, a entidade empregadora tem o direito a monitorizar comunicações pessoais dos trabalhadores para avaliar o seu profissionalismo e aplicar eventuais sanções disciplinares.

Inconformado com as decisões nacionais, o trabalhador recorreu às instâncias judiciais europeias.


B. DECISÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH)

O TEDH entendeu que, por ser contra o regulamento interno da entidade empregadora a utilização da Internet, do e-mail profissional e de outros recursos da entidade empregadora para fins privados, é razoável à entidade empregadora monitorizar e verificar se os trabalhadores estão a cumprir os seus deveres profissionais durante o horário de trabalho, de forma a poder exercer o seu poder disciplinar. Desta forma, tendo considerado que foi respeitado o requisito de proporcionalidade entre o direito à vida e correspondência privada do trabalhador e os legítimos interesses da entidade empregadora, o TEDH considerou não ter sido violado o artigo 8.º da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal.

A decisão do TEDH contou porém com o voto parcialmente vencido de Pinto de Albuquerque, que considerou que os trabalhadores não abandonam o seu direito à privacidade e correspondência privada todos os dias no local de trabalho. Assim, Pinto de Albuquerque realçou a necessidade de uma abordagem centrada nos direitos humanos quanto ao uso da Internet no local de trabalho, com um regulamento interno transparente, uma política de implementação consistente e uma estratégia de aplicação pela entidade empregadora que respeite o princípio da proporcionalidade, o que considerou não se ter verificado no caso aqui em análise.

 

C. A TUTELA DO DIREITO À CORRESPONDÊNCIA PRIVADA EM CONTEXTO LABORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS

A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 34.º, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência e de outros meios de comunicação privada.

No que diz respeito à tutela penal, o Código Penal criminaliza não só a devassa da vida privada por meio da informática como também tipifica o crime de violação de correspondência ou telecomunicações, nos seus artigos 193.º e 194.º, respetivamente.

Por outro lado, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro sobre proteção de dados, transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, procedendo à regulação do tratamento de dados pessoais e impondo restrições à livre circulação desses dados.

Relativamente à legislação laboral, o Código do Trabalho consagra o direito genérico à reserva da intimidade da vida privada e o direito à confidencialidade das mensagens e de acesso a informação.

Acresce ainda que, em conformidade com as alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, os trabalhadores têm o dever de velar pela conservação e boa utilização dos instrumentos de trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, bem como o de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.

A violação grave e culposa destes deveres pode inclusivamente constituir justa causa de despedimento, verificados os requisitos previstos no artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho.


D. JURISPRUDÊNCIA NACIONAL RELEVANTE

Alguns exemplos de jurisprudência nacional relevante:

Supremo Tribunal de Justiça, de 05/07/2007 (Mário Pereira)[1]

O artigo. 21.º, n.º 1 do Código de Trabalho garante o direito à reserva e à confidencialidade relativamente a mensagens pessoais e à informação não profissional que o trabalhador receba, consulte ou envie através de correio electrónico, pelo que o empregador não pode aceder ao conteúdo de tais mensagens ou informação, mesmo quando esteja em causa investigar e provar uma eventual infracção disciplinar. (…)

Não tendo o empregador regulado a utilização do correio electrónico para fins pessoais conforme possibilita o n.º 2 do art. 21.º do CT, o envio da referida mensagem não integra infracção disciplinar.

Tribunal da Relação De Lisboa, de 07/03/2012 (José Eduardo Sapateiro)[2]

Face à inexistência de qualquer regulamentação prévia para a utilização pessoal e profissional da Internet por parte dos trabalhadores da Ré, verifica-se o acesso e conhecimento indevidos e ilícitos por parte da empresa ao conteúdo de conversas de teor estritamente pessoal da Apelada com três amigas e o marido/namorado, numa situação que se pode equiparar, de alguma maneira, à audição de vários telefonemas particulares (no fundo, uma espécie de “escutas” ilegais) ou à leitura de cartas dessa mesma índole, sem que, quer o remetente, como o destinatário, tenham dado o seu consentimento prévio a tal “visionamento” escrito das ditas conversas (artigos 15.º e 21.º e 16.º e 22.º dos Código do Trabalho de 2003 e 2009).


E. CONCLUSÃO

Em suma, embora a presente temática seja alvo de diversas interpretações doutrinais e jurisprudenciais e não seja absolutamente pacifica, carecendo necessariamente de maior densificação jurisprudencial e doutrinal, no nosso entendimento começa a construir-se o caminho de que é possível concluir que o direito à confidencialidade da correspondência do trabalhador deve ser conciliado com outros direitos constitucionalmente consagrados da entidade empregadora. Desta forma, existindo um regulamento interno da entidade empregadora que proíbe a utilização da Internet, do e-mail profissional e de outros recursos da entidade empregadora para fins privados, entendemos que a entidade empregadora tem o direito de monitorizar a atividade dos trabalhadores, de forma a poder exercer o seu poder disciplinar, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. O Acórdão do TEDH vem precisamente nesse sentido.

[1] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54d3c9f0041a33d58025735900331cc3?OpenDocument

[2] http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/109499c90995e66d802579bf0050cfa4?OpenDocument

 

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