No cenário complexo e dinâmico dos negócios, as sociedades comerciais e as pessoas singulares enfrentam muitas vezes conjuntos de desafios que podem ter como consequência final a insolvência.
A insolvência, entendida como a incapacidade de uma empresa cumprir suas obrigações financeiras, é um fenómeno que não apenas impacta o insolvente em questão, mas também afeta, consequentemente, toda a cadeia económica.
Questiona-se, então, o que sucede com os negócios em curso, ainda não cumpridos, e, mais concretamente com o contrato-promessa de compra e venda de imóvel, quando o promitente vendedor se encontra em processo de insolvência.
No contexto de insolvência de um promitente vendedor, os promitentes compradores enfrentam desafios significativos no que respeita aos seus direitos. Em Portugal, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) estabelece o quadro legal para a tramitação dos processos de insolvência. No contexto de um contrato-promessa de compra e venda celebrado com uma parte que é declarada insolvente, é essencial compreender como o CIRE regula os direitos dos promitentes compradores.
O regime que estabelece o princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos encontra-se previsto no artigo 102.º do CIRE, sendo que o artigo 106.º do CIRE estabelece regras específicas relativas à promessa de contrato.
O artigo 102.º do CIRE estabelece que no contrato promessa em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pelo promitente comprador, o cumprimento do contrato fica suspenso até que o administrador da insolvência opte pela execução do contrato ou recuse o cumprimento. Neste contexto, o promitente comprador pode fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.
O artigo 106.º ressalva os direitos dos promitentes compradores nos casos em que já se tenha dado a tradição do imóvel a favor do promitente-comprador em contrato-promessa com eficácia real. Em tais casos, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento do contrato-promessa considerando-se ainda que o promitente comprador goza do direito de retenção sobre o imóvel.
Este preceito tem gerado alguma polémica e diversas interpretações, sendo que parte da doutrina e da jurisprudência nacional tem considerado que a norma deverá ser entendida no sentido de o contrato com eficácia real não poder ser recusado em caso algum.
Certo é que a opção pela execução do contrato é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável. No sentido contrário, não são estabelecidos critérios fixos determinantes da situação de recusa do cumprimento do contrato-promessa. Assim, a opção do administrador de insolvência deve sempre ser guiada por critérios de racionalidade económica, tendo em conta a situação concreta da massa insolvente e os demais princípios jurídicos e finalidades do negócio.
O montante correspondente à indemnização dos prejuízos sofridos com o incumprimento com o contrato e recusa de cumprimento por parte do administrador da insolvência constitui crédito sobre a insolvência, e deverá ser reclamado no processo de insolvência. Também o valor correspondente à prestação efetuada, nomeadamente ao sinal deverá ser ressarcido ao promitente comprador. A recuperação desses créditos está sujeita às regras de graduação de créditos na insolvência, estabelecida pelo CIRE, o que pode influenciar a extensão da compensação recebida.
A existência de garantias e cláusulas contratuais assume grande relevância. Caso o contrato de promessa de compra e venda inclua garantias específicas, os promitentes compradores podem ter direitos adicionais para proteger os seus interesses, como a possibilidade de acionar garantias financeiras ou beneficiar de uma graduação do seu crédito mais favorável à sua recuperação.
Os promitentes compradores devem participar nos processos de insolvência, assegurando a representação dos seus interesses. Este envolvimento permite-lhes monitorizar de perto o desenvolvimento do processo e tomar ações para salvaguardar os seus direitos, nomeadamente impugnando decisões que possam prejudicar os seus interesses.
Não obstante as disposições legais existentes, os promitentes compradores de contrato-promessa em que a contraparte se encontre em situação de insolvência enfrentarão diversos desafios práticos.
A demora nos processos de insolvência e a incerteza sobre a recuperação de ativos podem criar dificuldades adicionais. Além disso, a concorrência com outros credores na partilha da massa insolvente pode limitar a compensação disponível para os promitentes compradores, em caso de existir uma recusa ao cumprimento do contrato-promessa.
A complexidade dos processos de insolvência e as diversas variáveis envolvidas exigem uma abordagem cuidadosa para proteger eficazmente os interesses dos promitentes compradores. A compreensão profunda do enquadramento legal, a negociação de garantias contratuais sólidas e a participação ativa nos processos de insolvência são elementos cruciais para enfrentar esses desafios de forma eficaz.
por João Carlos Teixeira e Rodrigo da Rocha Correia, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem