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News & MediaLatest NewsO Cartão do adepto – afinal, quid juris?

17 de August, 2021

Eis que se iniciam as competições profissionais, e volvido um ano e meio sem a presença sentida de adeptos nos estádios, este regresso dá-se com uma novidade – a aplicação do Cartão do Adepto.

A publicação da Lei n.º 113/2019, de 11 de Setembro, trouxe com ela algumas novidades ao Regime Jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos (ei n.º 39/2009, de 30 de Julho). Entre outras medidas, esta alteração legislativa veio criar as Zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos (doravante, ZCEAP) e a criação do mecanismo que permite o acesso estas zonas – o famoso “Cartão do Adepto”.

Ora, as ZCEAP passarão a ser conhecidas como as zonas onde é permitida a utilização de megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, bem como de bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio aos clubes e sociedades desportivas. Estas zonas devem ter uma entrada exclusiva, bem como instalações sanitárias e serviços de bar. O acesso a estas zonas passa assim, a verificar-se mediante a existência de título de ingresso, emitido de forma exclusivamente electrónica e do Cartão do Adepto. Cada Promotor deverá acolher pelo menos duas destas zonas – para adeptos da casa e outra, para adeptos visitantes.

Ainda de notar que tanto a criação das ZCAP, e por consequência, o cartão, aplica-se aos recintos onde se realizem espectáculos desportivos integrados nas competições desportivas de natureza profissional ou de natureza não profissional considerados de risco elevado.

 

Este Cartão, nos termos da Portaria que regula os aspectos práticos da sua implementação e funcionamento – Portaria n.º 159/2020 – deve ser requerido online, com a faculdade de uso da chave móvel digital para o efeito, e é emitido mediante deferimento do pedido pela Autoridade de Combate à Violência no Desporto. Trata-se assim, de uma verdadeira permissão de natureza administrativa.

Tratando-se apenas de uma medida administrativa que visa combater os comportamentos antidesportivos, deveria ser facilmente encarada como uma fórmula de sucesso – mas um olhar mais profundo e atento facilmente detecta as suas fragilidades e a problemática a elas associada.

Peca esta medida por ser dotada de falta de proporcionalidade, sobretudo quando inserida numa legislação onde não são sublinhadas prorrogativas do desporto numa vertente positiva, muito menos são acolhidas as recomendações Convenção do Conselho da Europa sobre uma abordagem integrada da segurança, da proteção e dos serviços por ocasião dos jogos de futebol e outras manifestações desportivas.

Ademais, sublinhe-se – resulta da aplicação práctica destas normas que, quem pretender usufruir de direitos como a liberdade de expressão, ou o livre desenvolvimento da personalidade, se vê confrontado com a necessidade de ceder os seus dados pessoais com vista à emissão deste cartão. Claramente se constata que o exercício destas liberdades terá de ser submetido a uma norma de natureza administrativa, cuja eficácia se questiona – os fins não justificam os meios.

É ainda de constatar que também este Cartão apenas é emitido a maiores de 16 anos – o que fará com que, qualquer criança deixe simplesmente de poder levar consigo um cartaz com medidas superiores a 1x1m – porque não poderá frequentar outro sector, onde estes adereços não são permitidos, e não poderá frequentar as ZCEAP, em virtude da sua idade.

Por último, é facilmente constatável que esta norma contém uma forte componente relacionada com a identificação de adeptos de risco, a qual nunca se contestaria – se fosse eficaz, e se não se tratasse de uma norma que toma o todo por esta pequena parte.

Como nota adicional, refira-se ainda que do ponto de vista do Direito Comparado, é facto conhecido que o Cartão do Adepto não é uma nem medida recente, muito menos particularmente bem sucedida (veja-se a Tessera del Tifoso em Itália ou Fan ID turco).

A restrição de direitos, liberdades e garantias deve ser um corolário do Estado de Direito Democrático altamente inabalável, que ceda apenas quando objectivamente justificado.

Uma medida desta natureza, associada à festa do desporto não traz outra consequência (lógica e altamente previsível) senão a sectarização entre adeptos, a promoção de desigualdades e o afastamento dos adeptos dos recintos desportivos. Os rótulos, quando associados ao desporto, que vive de um ecossistema muito próprio, resultam precisamente no efeito inverso do que se pretende cultivar – inclusão, tolerância, festa, mística e tradição.

Sempre que tomarem medidas adequadas em prol de bons ambientes, estaremos a enfatizar e a sublinhar que “O Desporto tem o poder de mudar o mundo”. *

 

por Martha Gens, Sports Lab

 


* Nelson Mandela

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