Com a situação pandêmica de emergência de saúde pública, que dificultou a deslocação pessoal a um conjunto de serviços, verificou-se a necessidade de apor uma assinatura digital num conjunto ínfimo de situações.
Nos dias de hoje, e por força da própria lei portuguesa, já é possível as partes assinarem um conjunto de documentos eletronicamente e, inclusive, é possível celebrar um conjunto de contratos, que a lei sujeita à forma escrita, com a aposição de uma assinatura eletrónica acreditada, com valor idêntico à de uma assinatura manuscrita.
O Decreto-Lei n.º 290-D/99 de 2 de agosto, aprovou o Regime Jurídico dos Documentos Eletrónicos e da Assinatura Digital (“RJDEAD”), prevendo duas modalidades de assinatura eletrónica: a assinatura eletrónica simples e a assinatura eletrónica avançada que inclui a assinatura digital qualificada. É esta última que faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 368.º do Código Civil, ex vi do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99).
Num contexto e numa área como o Imobiliário, em que os negócios e contratos são feitos, maioritariamente à distância, torna-se cada vez mais urgente a necessidade de implementação e validação de uma assinatura digital nestes documentos.
A questão que aqui se coloca prende-se com a validade e viabilidade de apostar uma assinatura digital nos contratos promessa de compra e venda.
Foi no decurso da situação pandémica, mais sensivelmente em Maio de 2020, que o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) veio reforçar, através de uma circular, que “as entidades com atividade de mediação imobiliária e de construção (…) poderão celebrar contratos de mediação imobiliária, de empreitada e de subempreitada, quando aplicável, com os seus clientes recorrendo ao disposto”. “Os contratos-promessa de compra e venda de imóveis poderão ser celebrados e assinados de forma manuscrita ou através de assinatura eletrónica qualificada com base no referido normativo legal e na legislação aplicável”, esclarece o IMPIC.
De acordo com o art. 25.º do RJCE “(…) é livre a celebração de contratos por via eletrónica, sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pela utilização deste meio.”, referindo o n.º 2 al. b) e c) desse mesmo artigo, que são “(…) Excluídos do principio da admissibilidade os negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais e reais imobiliários com exceção do arrendamento”.
A não sujeição destes negócios ao princípio da admissibilidade da contratação eletrónica, pretende apenas garantir o controlo da legalidade dos mesmos uma vez que esta é assegurada através da intervenção notarial ou de entidade equiparada como é o caso dos Advogados.
Com efeito, o reconhecimento das assinaturas não se trata de um mero preciosismo, mas de criar uma segurança e certeza jurídica- Para o efeito, veja-se o art. 410 n.º 3 do Código Civil, que prevê, com um caracter taxativo, que as partes não podem prescindir do controlo de um terceiro imparcial no negócio, que tem como função fiscalizar o cumprimento das formalidades que são exigidas por lei e garantir a segurança jurídica do ato.
Sucede que, uma forma de ultrapassar o supra normativo legal, considerando a liberdade contratual que dispõem as partes, é através da aposição, nos contrato promessa de compra e venda, de uma cláusula em que os Outorgantes declaram expressamente prescindir das formalidades anteriormente mencionadas. Todavia, atualmente o entendimento jurisprudencial maioritário conduz-se no sentido de que este tipo de cláusulas não são válidas por se tratar de disposição contrária ao interesse público.
E caso decida assinar eletronicamente o respetivo contrato promessa de compra e venda, este tipo de cláusulas podem colocar-se?
De acordo com o art. 3.º do D.L. 12/2021 de 09 de Fevereiro, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada num documento eletrónico equivale a assinatura manuscrita constante de documento em suporte papel e cria uma presunção de que foi o titular da assinatura que a apôs.
No entanto a questão nos contratos promessa de compra e venda é dúbia, senão vejamos:
O D.L. 7/2004 de 07 Janeiro (sobre o Regime Jurídico do Comércio Eletrónico), define expressamente que estão excluídos os negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais e reais imobiliários com a exceção do arrendamento, todavia, o D.L. 12/2021 define que quando a um documento lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, este tem a força probatória do documento particular assinado nos termos do art. 376.º do Código Civil.
Em suma, parece que nada obste a que os contratos promessa de compra e venda sejam assinados através de assinatura digital qualificada e, ademais, caso as partes prescindam do formalismo do reconhecimento das assinaturas, que isso afeta a validade do negócio, uma vez que, a assinatura digital qualificada é bastante para assegurar a segurança jurídica.
por Odete Sousa Pereira e Natacha Moreira, Área de Prática – Direito Imobiliário e Urbanismo