No passado dia 17 de junho de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a existência de indícios como a prolongada inação da promitente-vendedora relativamente às diligências que lhe cabia desenvolver, a sua incontactabilidade e o anúncio público de venda do prédio objeto do contrato-promessa são suficientes para justificar, por parte da promitente-compradora, o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
No caso em apreciação, as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de uma fração a construir, com data para a celebração da escritura de compra e venda até 31 de agosto de 2025.
A promitente-compradora instaurou uma providência cautelar de arresto contra a promitente vendedora, requerendo o arresto do prédio onde as frações prometidas vender seriam constituídas, tendo resultado como provado que o prédio não sofreu quaisquer obras desde a celebração do referido contrato, que a promitente-compradora pagou integralmente o preço a título de sinal e princípio de pagamento e que a promitente-vendedora se encontrava incontactável.
A promitente-compradora invocou o incumprimento do contrato-promessa e a inexistência de bens suficientes no património da promitente-vendedora para garantir a restituição em dobro do sinal, a que tem direito.
Acontece que, em decisão anterior, embora tenha considerado a probabilidade da existência do crédito, a providência cautelar de arresto foi julgada totalmente improcedente por se entender não ficar demonstrado o justo receio da perda da garantia patrimonial.
O Supremo Tribunal de Justiça apreciou, assim, a existência (ou não) do justificado receio de perda da garantia patrimonial e do preenchimento, em concreto, do conceito indeterminado de «justificado receio», designadamente sobre a necessidade de prova da inexistência / insuficiência de outros bens do devedor para dar por verificado tal receio.
Do acórdão proferido pode ler-se que “um homem medianamente prudente, colocado diante dos mesmos indícios, designadamente a prolongada inação da promitente vendedora, a incontactabilidade da mesma, o anúncio de venda do prédio, o desconhecimento de outros bens integrantes do património da promitente-vendedora recearia, da mesma forma que a promitente-compradora alega recear, a impossibilidade de realização do seu crédito à custa do património da promitente vendedora”.
O acórdão sublinha ainda o facto de a promitente-vendedora ser uma sociedade comercial, entidade que se pode constituir e dissolver com facilidade, gerando, de forma compreensível, na promitente-compradora a convicção de que o seu crédito poderá ficar irremediavelmente por satisfazer.
Ora, o fundado receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar da existência de sinais de o devedor se estar a colocar numa situação de insolvência, que o impeçam de garantir os seus créditos, ou em processo de dissipação do seu património através da venda de bens, que dificulte assim aos credores a satisfação do seu crédito, ou até pelas dificuldades que os credores possam ter no contacto com os devedores.
Todos estes indícios são legítimos para concluir que o devedor se furta ao cumprimento das suas obrigações e intencionalmente, coloca o credor numa situação de fragilidade e perigo.
Assim, a prática de atos ou assunção de atitudes que suscitem a suspeita de que o devedor pretende subtrair os seus bens à ação dos credores torna justificável o receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
Além disso, cumpre referir que o acórdão em análise considera que a prova de que os bens a arrestar constituem a única garantia patrimonial e, consequentemente, não existem outros bens para satisfazer o crédito, não é legalmente exigida.
Ou seja, o que se mostra relevante para uma ação desta natureza, no qual a atividade probatória exigível ao interessado é condicionada pelo enquadramento num procedimento cautelar, que tem carácter urgente, é que o receio seja fundado ou justificado, sendo variados os factos suscetíveis de se exteriorizar.
Cremos, pois, que entre o prejuízo da promitente-vendedora com a imobilização temporária do património e o eventual prejuízo irrecuperável do promitente comprador com o indeferimento de uma providência cautelar de arresto, se justifica a revogação da decisão anterior pelo Supremo Tribunal de Justiça possibilitando, assim, o deferimento do arresto sob o prédio objeto do contrato promessa.
Descurar esta hipótese e partir, sem mais, para o indeferimento afigura-se desajustado face às circunstâncias do caso concreto, podendo estar a deixar, ao que tudo indica, o requerente (eventual credor) em situação delicada.
A ponderação de interesses atendíveis, impõe ao intérprete uma solução de equilíbrio, que aponta no deferimento da providência, nesta fase do processo cautelar, considerando que o receio dos agravantes perderem a garantia patrimonial do seu crédito é justificado.
por João Carlos Teixeira e Joana Carvalho, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem