No passado dia 28 de fevereiro, a União Europeia anunciou a exclusão de um conjunto de bancos russos do sistema de comunicação SWIFT. A medida não surpreendeu, mas levantou algumas dúvidas concernentes, nomeadamente, aos seus efeitos. De facto, a expressão SWIFT não será desconhecida do público em geral, mas em que é que consiste, realmente, este sistema e quais as consequências da exclusão de uma instituição financeira do seu âmbito de aplicação?
1. EM QUE É QUE CONSISTE O SISTEMA DE COMUNICAÇÃO SWIFT?
SWIFT (“Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications”) é um sistema de comunicação, implementado mundialmente, utilizado pelas instituições financeiras para transmitir informações e instruções, com segurança e eficiência. Embora seja, hoje, uma parte crucial da infraestrutura financeira mundial, o SWIFT não é, ele mesmo, uma instituição, mas sim um utilitário que facilita a comunicação entre os seus membros. Tal é possível através da atribuição a cada membro de um código único, com 8 a 11 caracteres, comummente designado por SWIFT, SWIFT ID, BIC (“Bank Identifier Code”) ou ISO 9362.
A ideia de criar um sistema de comunicação interbancária único começou a ganhar forma institucional, no final da década de 1960, quando a Société Financière Européenne, um consórcio de seis grandes bancos com sede no Luxemburgo e em Paris, iniciou um “projeto de troca de mensagens”. Em sequência, em 1973, acabou por ser criado o SWIFT com cerca de 293 membros espalhados por 15 países. Em 2022, o SWIFT é considerado o principal mecanismo de financiamento do comércio internacional sendo utilizado por mais de 11.000 bancos de cerca de 200 jurisdições diferentes. Não obstante a sua utilização ter sido inicialmente para o envio de instruções de pagamento simples, hoje, o SWIFT é utilizado para enviar comunicações referentes a inúmeras espécies de operações relacionadas com o tesouro, outro tipo de transações financeiras, aquisição de valores mobiliários, etc.
2. O QUE PREVÊ O REGULAMENTO (EU) 2022/345 DO CONSELHO, DE 1 DE MARÇO DE 2022 RELATIVAMENTE AO ACESSO DOS BANCOS RUSSOS AO SISTEMA SWIFT?
De acordo com o artigo 5.º-H do Regulamento (EU) 2022/345 do Conselho, de 1 de março de 2022, que altera o Regulamento (EU) n.º 833/2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que destabilizam a situação na Ucrânia, a partir do dia 12 de março de 2022, deixou de ser possível “prestar serviços especializados de mensagens financeiras, utilizados para o intercâmbio de dados financeiros, às pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo XIV ou a qualquer pessoa coletiva, entidade ou organismo estabelecido na Rússia cujos direitos de propriedade sejam direta ou indiretamente detidos em mais de 50% por uma entidades enumerada no anexo XIV.”
Concretamente, este artigo vem prever a proibição de as instituições identificadas no seu anexo comunicarem com outros bancos para a emissão de instruções, seja qual for a sua natureza. Assim, nenhum cliente de uma qualquer instituição bancária na União Europeia, EUA ou Reino Unido, pode ordenar a transferência de fundos ou a realização de operações financeiras relativamente a contas domiciliadas nos bancos identificados pelo Regulamento. Para as empresas, esta norma impossibilita a receção ou realização de pagamentos para parceiros sediados na Rússia, cujas contas bancárias estejam domiciliadas numa das instituições alvo da exclusão.
3. A PROIBIÇÃO CONSTANTE DO ARTIGO 5.º-H DO REGULAMENTO ABRANGE TODOS OS BANCOS SEDIADOS NA RÚSSIA?
Não. O artigo 5.º-H abrange apenas os bancos identificados no seu anexo. São estes o Banco Otkritie, Novikombank, Promsvyazbank, Banco Rossiya, Sovcombank, Vnesheconombank (VEB) e Banco VTB.
4. QUAL É O ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO REGULAMENTO?
O Regulamento (EU) 2022/345 vem executar a Decisão (PESC) 2022/346 do Conselho da União Europeia, de 1 de março de 2022 que, demonstrando o seu apoio à soberania e integridade territorial da Ucrânia e condenando, consequentemente, a operação militar russa, vem sancionar um conjunto concreto de instituições de crédito russas. Os seus efeitos traduzem-se na exclusão dos bancos identificados do sistema SWIFT, determinando o seu total isolamento e perdas financeiras avultadas que, em última instância, podem provocar a sua insolvência.
Por essa razão, uma decisão como a que é executada no Regulamento (EU) 2022/345 do Conselho, de 1 de maço de 2022, deve ser suficientemente motivada e conformada, com especial grau de exigência, pelos Tratados da União Europeia. A este respeito, o artigo 29.º do Tratado da União Europeia (“TUE”) atribui competência ao Conselho para adotar “decisões que definem a abordagem global de uma questão específica de natureza geográfica ou temática pela União” cabendo aos Estados-Membros zelar pela “coerência das suas políticas nacionais com as posições da União”. No âmbito dessas competências, o artigo 215.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) obriga a que as decisões do Conselho da União Europeia cujos efeitos impliquem a interrupção ou a redução, total ou parcial, das relações económicas e financeiras com um ou mais países terceiros, sejam deliberadas por maioria qualificada, sob proposta conjunta do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros.
Realça-se, no entanto, que apesar de ser o mais utilizado, o SWIFT não é o único sistema de comunicação interbancária do mundo. Existem alternativas como o sistema russo SFPS ou o sistema de pagamentos internacionais da China, CIPS, supervisionado pelo Banco Popular da China. Claro que, sendo sistemas mais recentes, não têm a robustez do SWIFT, apresentando o recurso aos mesmos dificuldades que os podem tornar pouco atrativos. Acresce que o artigo 5.º-I do Regulamento proíbe a venda, transferência ou exportação “de notas expressas em euros para a Rússia ou qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Rússia, incluindo o Governo e o Banco Central da Rússia, ou para utilização na Rússia.”
A decisão da União Europeia, concertada com os Estados Unidos da América e com o Reino Unido, tem efeitos significativos no regular funcionamento dos mercados financeiros. Trata-se de uma sanção robusta, já anteriormente utilizada, reservada para situações de extrema gravidade onde se impõe a necessidade de um posicionamento externo vigoroso.
por João Carlos Teixeira e Daniela Guimarães, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem