No âmbito do contexto epidemiológico da COVID-19, e ao longo do último ano, temos vindo a assistir à adoção e aprovação de um conjunto de medidas excecionais e temporárias com vista a atenuar o impacto económico daí decorrente.
No setor imobiliário, a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, estabeleceu um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional, com vista à proteção da situação dos arrendatários.
As últimas alterações à referida Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, introduzidas pela Lei n.º 75-A/2020 e pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2020 de 30 de dezembro, e pela Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, são aqui objeto de análise.
1. Contratos de arrendamento para fins habitacionais
No que diz respeito aos contratos de arrendamento para fins habitacionais, e em concreto em relação aos requisitos que o arrendatário deve cumprir para que possa beneficiar do regime excecional de mora no pagamento da renda, a Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro, procedeu a uma alteração ao artigo 3.º (“Quebra de rendimentos dos arrendatários e senhorios habitacionais”), que vem estender o âmbito de aplicação da Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril. Deste modo, o referido regime passa a ser aplicável quando, cumulativamente, se verifiquem apenas dois requisitos:
a) uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar do arrendatário, face aos rendimentos do mês de fevereiro de 2020, do mês anterior, ou do período homólogo do ano anterior; e
b) a taxa de esforço do agregado familiar do arrendatário, calculada como percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda, seja ou se torne superior a 30% (na redação anterior e na versão original da Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril a taxa de esforço teria de ser superior a 35%).
A Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro, procede também à alteração do artigo 4.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, que prevê agora que nas situações previstas no artigo 3.º anteriormente referido, o senhorio só tem direito à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas vencidas, se o arrendatário, tendo diferido o pagamento da renda nos meses de abril a junho de 2020, não efetue o seu pagamento, no prazo de 12 meses contados do termo desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês. O artigo era anteriormente omisso quanto ao âmbito temporal das rendas a que se referia.
Ainda no que concerne aos contratos de arrendamento para fins habitacionais, o Decreto–Lei n.º 106-A/2020, de 30 de dezembro, alterou os números 2 a 5 do artigo 5.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, permitindo agora aos mutuários de empréstimos com rendimentos baixos, cuja taxa de esforço destinada ao pagamento da renda da sua residência permanente seja ou se torne superior a 35%, requererem empréstimos concedidos pelo IHRU, I.P – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, a título de comparticipação financeira não reembolsável para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%.
No entanto, nesta sede foi revogado pelo referido Decreto-Lei n.º 106-A/2020, de 30 de dezembro, o direito dos senhorios de contratos de arrendamento para fins habitacionais à concessão de empréstimos pelo IHRU, I.P – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.
Por outro lado, também através da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2020, de 30 de dezembro, à Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, é criada uma obrigação de reporte trimestral da informação atualizada que comprove a quebra de rendimentos dos arrendatários habitacionais que beneficiem deste regime.
2. Contratos de arrendamento para fins não habitacionais:
Neste âmbito, a Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro, vem trazer uma novidade à Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, através da inserção do novo artigo 8.º-B que prevê a criação de um regime próprio de diferimento do pagamento de rendas aplicável aos estabelecimentos de comércio a retalho, de prestação de serviço abertos ao público, ou de restauração, para aqueles estabelecimentos que tenham sido encerrados em março de 2020 e que permaneçam encerrados a 1 de janeiro de 2021. Nestes casos, o período de regularização da dívida das rendas vencidas em 2020 terá início a 1 de janeiro de 2022 e prolonga-se até 31 de dezembro de 2023, sendo realizado em 24 prestações sucessivas pagas juntamente com a renda do mês em causa.
O regime em vigor anteriormente já permitia o diferimento do pagamento das rendas vencidas, (i) nos meses em que vigorasse o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, (ii) nos meses em que fosse determinado o encerramento das suas instalações ou suspensão da respetiva atividade, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19, e (iii) nos três meses subsequentes àquele em que ocorra o levantamento da imposição do encerramento das suas instalações ou da suspensão da respetiva atividade. Contudo, tal diferimento não poderia aplicar-se às rendas que se vencessem após 31 de dezembro de 2020, sendo que as rendas diferidas deveriam ser regularizadas no prazo de 24 meses, com início no dia 1 de janeiro de 2021 e termo a 31 de dezembro de 2022.
No caso dos senhorios, sempre que o arrendatário requeira o diferimento nos termos do referido artigo 8.º-B, poderão requerer a concessão de um empréstimo com custos reduzidos, por referência às rendas do ano de 2020 e 2021, vencidas e não liquidadas.
É ainda aditado à Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, o artigo 8.º-C (“Apoios a fundo perdido”), que contempla um regime adicional de apoio a fundo perdido para duas situações, a saber:
i. Os arrendatários que, no ano de 2020, sofreram uma quebra de faturação entre 25% e 40%, recebem um apoio a fundo perdido de valor equivalente a 30% do valor da renda, com o limite de € 1.200,00 por mês;
ii. Os arrendatários que, no ano de 2020, sofreram uma quebra de faturação superior a 40%, recebem um apoio a fundo perdido de valor equivalente a 50% do valor da renda, com o limite de € 2.000,00 por mês.
Por último, através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), foi aditado o artigo 8.º-D à Lei n.º 4 -C/2020, de 6 de abril.
O referido artigo vem estabelecer que a remuneração mensal fixa ou mínima devida pelos lojistas de estabelecimentos inseridos em centros comerciais é reduzida proporcionalmente à diminuição da faturação mensal, até ao limite de 50% do valor daquela, quando esses estabelecimentos tenham uma quebra do volume de vendas mensal, face ao volume de vendas do mês homólogo do ano de 2019 ou, na sua falta, ao volume médio de vendas dos últimos seis meses antecedentes ao Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, ou de período inferior, se aplicável.
Este último regime vigorou no primeiro trimestre de 2021 e foi prorrogado até 30 de junho de 2021, por despacho do Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, publicado em Diário da República, no dia 25 de março de 2021.
É de notar que o legislador vem também excluir expressamente a aplicação do regime excecional de mora no pagamento da renda previsto na Lei n.º 4-C/2020 para os arrendamentos para fins não habitacionais, aos estabelecimentos localizados em centros comerciais que beneficiem do regime de dispensa da renda mínima até 31 de dezembro de 2020, previsto no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março.
As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, pelo que não dispensam a consulta da Antas da Cunha Ecija & Associados, Sociedade de Advogados R.L., e/ou diplomas às quais as mesmas se referem.
por Maria Carolina Abreu e João de Moraes Vaz, Área de Prática – Direito Imobiliário e Urbanismo