O Supremo Tribunal de Justiça proferiu, recentemente, acórdão de uniformização de jurisprudência, quanto à validade, enquanto título executivo, de documento particular com reconhecimento de dívida resultante de negócio nulo por falta de forma.
A questão suscitada no referido aresto consiste em saber se, estando o negócio subjacente ao escrito particular afetado de invalidade formal por falta de forma, aquela nulidade acarretará a inexequibilidade daquele.
Adiantando já a solução final, foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça estabelecer a seguinte uniformização:
«O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado».
Fundamenta tal decisão explicando que a declaração inserta no documento particular, apresentado como título executivo, não só prova o próprio mútuo, como exprime a confissão extrajudicial desse mesmo facto – ou seja, implica o reconhecimento pelas partes de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está determinado e é igual ao pedido na execução.
Nestes casos, a obrigação em causa está determinada e reconhecida pela declaração que serve de título executivo, reunindo os requisitos exigidos pela alínea c) do artigo 46.º do CPC – aqui ainda aplicável porque se tratava de execução iniciada antes da entrada em vigor do NCPC – que dispunha que eram títulos executivos “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável (…)”. Pressupostos esses que são transponíveis para os documentos aludidos na alínea b) do atual artigo 703.º: os autenticados ou os que, pese embora exarados por notário, não acatem a forma substancialmente imposta.
Na medida em que consta do documento a confissão da causa da dívida como sendo um contrato de mútuo, mesmo que este contrato seja considerado nulo por falta de forma legal, a consequência dessa nulidade sempre será a restituição do capital mutuado.
Certo é que, a imposição ao exequente do recurso prévio ao processo declarativo, não só seria uma oneração excessiva do exequente, como seria, igualmente, uma solução alheia ao princípio da economia processual.
Com efeito, conferir exequibilidade a esta declaração não ferirá as garantias de defesa do devedor, porquanto nada impede que este, porque se trata de um título extrajudicial, se defenda, no âmbito de uma eventual oposição, com qualquer meio de defesa admissível no processo declarativo. Efetivamente, nada impedirá o devedor de pôr em causa a existência do direito conferido pelo título apresentado.
Esta solução também em nada agrava a posição do devedor, já que este sempre estaria obrigado à devolução do que lhe é pedido na execução, evitando-se, deste modo, onerar o exequente com o ónus de propor uma prévia ação cujos efeitos e fins seriam os mesmos.
Assim, em virtude deste aresto, o documento oferecido à execução (ao abrigo do disposto no artigo 46, n.º 1, alínea c) do CPC de 1961) e que comporte o reconhecimento de uma obrigação resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade no que toca ao capital mutuado.