O Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente, com força obrigatória geral, sobre a norma constante do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto (LADT – Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais), considerando-a inconstitucional, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Trata-se, pois, do Acórdão n.º 242/2018, publicado no Diário da República 109, Série I, de 7 de junho de 2018.
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da CRP, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos. Ora, a norma da LADT em apreço foi julgada inconstitucional, em sede de fiscalização concreta, em três casos, mais concretamente nos Acórdãos n.ºs 591/2016, 86/2017 e 266/2017.
A questão fulcral que esteve sob análise prende-se com a circunstância de a norma em questão dispor que «As pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a proteção jurídica». Significa, pois, que as pessoas coletivas com fins lucrativos – entre as quais as sociedades comerciais – estavam excluídas, de forma liminar e em qualquer circunstância, da possibilidade de obterem apoio judiciário, em qualquer das modalidades que este reveste (informação Jurídica e proteção jurídica, sendo que esta última compreende a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo). Na realidade, apenas poderiam estar abrangidas pessoas singulares e entidades sem fins lucrativos, como sejam associações, fundações, cooperativas, sindicatos e instituições religiosas.
Ora, o artigo 20.º, n.º 1, da CRP garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesse legalmente protegidos», estabelecendo que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos. Por seu turno, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais consagrado na LADT tem por desiderato «assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o exercício ou a defesa dos seus direitos» (cf. o respetivo artigo 1.º, n.º 1).
Em virtude deste aresto, as pessoas coletivas com fins lucrativos passam assim a poder solicitar a concessão de apoio judiciário, sendo tal pedido entregue em qualquer serviço de atendimento ao público da Segurança Social, pessoalmente ou por correio, acompanhado com todos os documentos que comprovem a sua situação de insuficiência económica.
Uma última nota para a declaração de voto do Juiz Conselheiro João Pedro Caupers, que votou vencido, o qual referiu que “Impressiona-me que entes constituídos com o (legítimo) propósito de ganhar dinheiro, por não o conseguirem fazer, sejam auxiliados com o dinheiro dos contribuintes naquilo que para uma pessoa singular resultará normalmente de uma infelicidade, mas que para elas decorrerá, muito provavelmente, de falta de capacidade empresarial, de deficiente avaliação de riscos ou de ignorância do mercado, nos litígios judiciais em que se vejam envolvidos no exercício da sua atividade. Afinal, os seus concorrentes mais eficientes e competentes não disfrutam de tal benesse, o que coloca mesmo problemas de igualdade”.