A ação direta – “recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito” – é a figura jurídica prevista no artigo 336.º, nº 1, do Código Civil, que permite, nomeadamente, colocar termo à ocupação de um terreno violado pela construção de terceiro. É neste contexto que tecemos algumas considerações sobre as questões que poderão colocar-se numa situação desta natureza.
É sabido que a ação direta apenas poderá ser utilizada quando seja manifestamente impossível recorrer a outros meios, de forma a proteger o direito em causa. O pêndulo será, assim, o estritamente necessário.
Neste sentido, veio o Tribunal da Relação de Coimbra estabelecer, quanto aos requisitos cumulativos necessários para a licitude do recurso à ação direta: “a) Existência de um direito privado próprio; b) Impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais (judiciais ou policiais); c) Não existência de outro meio de impedir a perda do direito; d) Não exceder o agente o que for necessário para evitar o prejuízo; e) Não importar a ação direta o sacrifício de interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.”
Lidos os vários requisitos – sujeitos a interpretações maioritariamente subjetivas -, escusado será mencionar que a decisão de utilização de tal instituto revela-se de difícil avaliação e ponderação, resultando para o agente num risco substancial que poderá sujeitá-lo às consequências da ilicitude.
Admitindo-se – e sugerindo-se – a preferência pelo recurso aos meios judiciais, será de começar por considerar o recurso, pela urgência, a uma providência cautelar.
Genericamente, importa neste âmbito validar, casuisticamente: a probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris); o fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in mora); a adequação da providência à situação de lesão iminente do direito; não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que se pretende evitar.
Neste caso, deverão ainda ser considerados dois momentos: o antes e o depois do término da obra que causa a lesão.
Durante a construção, poderá ser requerida providência cautelar especificada de embargo de obra nova, caso em que deverá ser atendido, antes de mais, o prazo para requerer tal procedimento para suspensão da obra: trinta dias desde o conhecimento do facto lesivo.
Este procedimento tem a particularidade de poder ser requerido judicialmente ou realizado por via extrajudicial.
No primeiro caso a demanda é iniciada com a apresentação do requerimento da providência e seguirá a sua normal tramitação que, verificados os pressupostos elencados, será decretada, a final, por um Juiz.
No segundo caso, previamente ao recurso aos Tribunais, é o interessado que notifica verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para que não prossigam com a obra.
Neste caso, constitui cumulativamente ainda condição de procedência a apresentação do pedido da sua ratificação judicial no prazo de cinco dias, em que o Juiz confirmará, ou não, o ato já praticado pelo interessado, verificando se estão reunidos os requisitos legais necessários a tal confirmação.
Sem prejuízo de toda a discussão jurisprudencial ou doutrinária para preenchimento dos pressupostos de tal procedimento, é ainda relevante assinalar que o decretamento desta providência pode ser condicionado à prestação de caução adequada pelo seu requerente e, decretada a providência, não obstante poder ser requerido o prosseguimento da obra embargada dentro de determinadas condições, caso prossiga durante o embargo, pode ser o embargado condenado a destruí-la.
Na hipótese de a obra objeto do exemplo estar já terminada – não obstante a dificuldade por vezes em definir este momento, nomeadamente se estaria “essencialmente” concluída –, poderá o meio adequado ser a providência cautelar especificada de restituição provisória da posse.
O decretamento desta providência cautelar nominada depende da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
Não obstante a facilidade de identificação dos requisitos, a sua concretização nem sempre é simples ou clara. Particularmente quanto ao requisito da violência, provavelmente mais controverso neste caso, começa-se por distinguir sobre quem deve ser a mesma exercida: sobre a pessoa do possuidor ou sobre a coisa, in casu, o imóvel?
Sufragamos a posição que tem vindo a ser defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que considerou que integra o requisito em causa, a violência sobre a coisa.
Este conceito de violência não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor, sendo suficiente que este dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento de um terceiro que obstrui, contra a vontade do possuidor, o exercício da posse exercido até então.
Com tal entendimento poderemos considerar esbulho violento uma obra/construção efetuada por terceiros que, atenta a sua dimensão, constranja, de forma reiterada, o titular da sua posse, impedindo-o de a exercitar, merecendo, consequentemente, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse.
Por outro lado, é discutível, neste caso, o requisito do “periculum in mora”, típico dos procedimentos cautelares, que justifica, na maioria das vezes, a celeridade de tais procedimentos em contraposição com os processos comuns com tramitação não urgente.
No entanto, é defensável que, não sendo o “periculum in mora” um dos requisitos do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse (recorde-se: a posse, o esbulho e a violência), não será necessária a prova do risco de dano jurídico decorrente da demora da eventual ação possessória, pelo que, considerando o exemplo prático acima exposto, sempre deveria ser decretada a providência cautelar sugerida.
Em conclusão, e porque nem sempre os Tribunais acompanham a urgência dos cidadãos na realização da pretendida justiça que, não raras vezes, vamos vendo “executada” através da força, ficam expostas duas eventuais alternativas para uma resposta rápida e adequada a assegurar a manutenção dos direitos.
por João Carlos Teixeira e Leonel Lucas, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem