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News & MediaLatest NewsA utilização prevista em título constitutivo da propriedade horizontal: “centro comercial” versus “centro de escritórios” ou “co-working”. Uma sentença.

31 de Maio, 2022

Não se trata de um novo tema. Há muito que está legislado e é objeto de inúmeras decisões nos tribunais. Está estudado de fio a pavio e, na verdade, qualquer um terá uma mínima noção do que se entende por “título constitutivo da propriedade horizontal”. É indubitável que a necessidade – ou preferência – de viver em partilha de um mesmo espaço comum (v.g. prédio) obriga ao respeito de regras.

O título constitutivo da propriedade horizontal é justamente a escritura pública que instituiu um prédio em propriedade horizontal, dividindo-o em frações autónomas enquanto unidades independentes e em partes comuns.

É, pois, no título constitutivo da propriedade horizontal que encontramos a descrição das frações autónomas e o valor que as mesmas representam no total, em percentagem ou permilagem. É, por regra, este o valor que servirá para cálculo da quota que constituirá a contribuição de cada condómino nas despesas comuns. De tal valor retirar-se-á, também, o peso que cada condómino terá nas votações/deliberações da assembleia de condóminos.

Na maior parte dos casos, o título constitutivo da propriedade horizontal conterá ainda menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum, por exemplo, habitação ou comércio.

Assim sendo, na determinação do destino de cada fração autónoma, há que se atender ao que dispõe o respetivo título, sendo irrelevantes quaisquer acordos ou deliberações posteriores que não respeitem o disposto no artigo 1419.º do Código Civil (cfr., ainda, artigo 1422.º, n.º 4, a contrario), i.é., que não reúnam o acordo de todos os condóminos.

Quaisquer decisões administrativas que venham a ser tomadas quanto ao uso da fração (nomeadamente, planos urbanísticos e licenciamentos camarários para atividades contrárias às que constam do título constitutivo), serão igualmente irrelevantes.

O título constitutivo da propriedade horizontal tem eficácia real e absoluta e, portanto, vinculativa “contra todos” (erga omnes), pelo que o que dele resulta quanto ao destino das frações torna-se imperativo, ainda que o registo predial ou a caderneta predial disponham de forma diversa.

Ora, para o que agora nos detém, foi recentemente colocada à decisão dos tribunais portugueses – e decidido por sentença, ainda não transitada em julgado – a problemática existente entre aquilo que será uma utilização de fração autónoma enquanto “centro comercial” por contraposição à sua utilização enquanto “centro de escritórios” ou “co-working”. Isto, num contexto de existência de documento complementar à escritura pública de constituição da propriedade horizontal que expressamente prevê que a dita fração se destina a “centro comercial”.

Poder-se-á, à partida, responder logo de forma negativa, i.e., se no título constitutivo se prevê a utilização da fração para “centro comercial”, então não será lícita a sua utilização para a finalidade de “centro de escritórios”. Tratar-se-ão de diferentes finalidades/realidades, não confundíveis.

A própria decisão judicial efetua uma distinção clara e percetível daquilo que se designa por “centro comercial” – “A noção corrente e económica de “centro comercial” é a de espaço ou edifício que alberga várias lojas, termo que, por sua vez, em contexto urbano, tem o sentido de local onde se exerce o comércio ou estabelecimento onde se expõem e vendem a retalho bens e serviços” -, por contraposição ao que se entende por “centro de escritórios” e de “co-working” – “que corresponde a um modelo de trabalho, baseado na partilha de um espaço e de recursos de escritório, reunindo pessoas ou usuários que não trabalham, necessariamente, para a mesma empresa ou na mesma área de atuação, incluindo profissionais liberais, empreendedores e independentes”.

Contudo, a resposta deixa de ser clara e imediata quando confrontados com uma situação mesclada, em que no espaço da fração autónoma em questão se combinam atividades enquadráveis em ambos os conceitos de utilização atrás descritos.

No caso concreto, a fração é simultaneamente utilizada por lojistas com estabelecimentos abertos ao público, atividade enquadrável no conceito de utilização da fração enquanto “centro comercial”, bem como por empresas e profissionais que aí possuem os seus escritórios (nomeadamente, um Call Center), cuja atividade já será enquadrável no conceito de utilização da fração enquanto “centro de escritórios”.

Acresce que a fração possui ainda uma larga parte de espaços não ocupados, nomeadamente pela demonstrada impossibilidade de atração de lojistas e de negócios de venda ou prestação de serviços ao público em tal fração e em tal localização.

Sabendo-se que o tribunal está obrigado a proferir uma decisão, optou o mesmo, no caso sob análise e com recurso às definições atrás expostas, por decidir condenar a proprietária da fração autónoma a abster-se de utilizar a mesma como centro de escritórios e a encerrar os escritórios que se encontram em funcionamento.

Com o devido respeito, parece-nos que o tribunal tomou uma decisão com base numa dicotomia maniqueísta. A preto e branco. Sem exceções.

Nem à condenada serviu o argumento, por si invocado, de que as atividades comerciais exercidas na fração se integravam no âmbito do sector terciário. A matriz do “acessível ao público em geral” preponderou.

As consequências de tal decisão levam-nos a questionar o que será feito dos contratos atualmente existentes entre a proprietária da fração e as empresas e os profissionais que aí possuem os seus escritórios, bem como dos respetivos trabalhadores e negócios que aí são desenvolvidos. Em suma, interrogamo-nos acerca das incertezas e potenciais danos colaterais que sucederão em virtude desta douta decisão.

Curiosamente, a sentença não abordou as circunstâncias de pandemia derivada da Covid 19 e as suas consequências ao nível do substancial aumento das compras e vendas online, com o claro prejuízo das formas de transação presencial.

Até ver, na medida em que a decisão ainda é suscetível de recurso, parece ter sido aberto um perigoso precedente, estribado numa interpretação muito rígida e pouco atualista da lei, que conduz à total proibição de coexistência num “centro comercial” de atividades que não se integrem ou caracterizem o próprio espaço como “centro comercial”.

Parece, pois, de acordo com esta decisão, que todos os espaços integrados em centros comerciais terão de ser acessíveis ao público em geral. Mas será que isto traduz e pondera a realidade específica que se passa nos centros comerciais do país? Certamente que não.

Faz falta ao Direito e aos seus aplicadores uma visão que vá, em certo sentido, para além da Lei. Que vá ao encontro de um mundo sempre em evolução.

 

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por João Carlos Teixeira e José Luís Beleza, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem

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