São consabidas as nefastas e extensas consequências dos incêndios rurais que assolaram algumas regiões do nosso país entre os passados dias 15 e 19 de Setembro de 2024.
Ciente da necessidade de imediata intervenção no apoio às populações, atividades económicas, freguesias e municípios afetados, o Governo determinou a criação de um grupo de trabalho destinado a apurar, com celeridade e acuidade, as necessidades das populações lesadas, visando, dentro do possível, a reparação dos seus danos e o seu retorno à realidade do quotidiano.
Avocando para si a “imediata e imperiosa” tarefa de acudir todos aqueles que foram afetados pelos incêndios, a Administração Central do Estado, cumprindo a sua função de identificação dos fins públicos e de desenvolver as tarefas necessárias à sua prossecução, na busca das necessidades coletivas e visando o bem comum (que é o fim do Estado), criou um pacote de medidas de apoio, de execução urgente, transversais a seis áreas de intervenção:
i) pessoas;
ii) habitação;
iii) atividades económicas;
iv) agricultura;
v) ambiente, conservação da natureza e florestas;
vi) infraestruturas e equipamentos.
Foi, assim, publicado o Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27/09, diploma que prevê e regula as medidas de apoio e mitigação do impacto dos incêndios rurais ocorridos entre 15 e 19 de setembro, incluindo medidas de resposta de emergência e medidas de prevenção e de relançamento da economia. Tal diploma entrou em vigor no dia 28/09/2024, sendo que os seus efeitos retroagem a 15/09/2024.
De entre as medidas criadas, figuram medidas de apoio específico pelo SNS às vítimas, apoios financeiros a famílias em situação de carência/perda de rendimento, apoios financeiros aos agricultores, regime especial de isenção de pagamento de contribuições à Segurança Social, incentivos financeiros para manutenção de postos de trabalho e para trabalhadores independentes, etc.
No âmbito destas medidas e para cumprir o objetivo da sua rápida implementação, mostrou-se essencial adaptar os procedimentos de contratação pública, alterando-se (excecional e temporariamente) o regime do Código dos Contratos Públicos, pois só assim se poderá dar executoriedade rápida e eficaz às intervenções necessárias, nomeadamente em sede de empreitadas de obras públicas, contratos de locação e aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços relacionados com os danos decorrentes dos incêndios rurais e com vista à sua reparação.
Assim, ao longo dos arts. 29º a 34º do DL n.º 59-A/2024, estão consignadas as medidas excecionais de contratação pública adotadas para as intervenções necessárias à recuperação dos danos causados nas áreas afetadas pelos incêndios rurais. Tais medidas excecionais aplicam-se aos procedimentos de contratação pública da responsabilidade da Administração direta e indireta do Estado, incluindo o setor público empresarial e os Municípios, e consistem numa flexibilização das regras dos concursos públicos, permitindo o alargamento da possibilidade de recurso a procedimentos céleres, como o ajuste direto e consulta pública, em situações que, habitualmente e fruto do valor base a concurso, não seriam legalmente permitidas. Das medidas implementadas destaca-se:
a) A escolha do ajuste direto ou consulta prévia para celebração de contratos de empreitada de obras públicas de valor inferior a €5.186.000,00, independentemente da natureza da entidade adjudicante (elevando o valor base limite do art.º 19º do CCP);
b) A escolha do ajuste direto para a celebração de contratos de locação, aquisição de bens móveis ou aquisição de serviços de valor inferior a €207.000,00 independentemente da natureza da entidade adjudicante (elevando o valor base limite do art.º 20º do CCP);
c) Eliminação das limitações à escolha das entidades convidadas previstas no art.º 113º n.º 2 a 5 do CCP (passando a permitir o convite a entidades que já tenham, no ano em curso e nos dois anos anteriores, sido adjudicatárias noutros ajustes diretos/consultas públicas ou que, nesse período, tenham executado obras ou fornecido bens ou serviços a título gratuito);
d) Um regime excecional de autorização de despesa:
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- cabendo ao Ministério das Finanças reconhecer, mediante parecer favorável a emitir em 10 dias pela entidade adjudicante, que a despesa se destina a intervenções necessárias à recuperação dos danos causados nas áreas afetadas pelos incêndios rurais;
- deferimento tácito da autorização da despesa, nos casos previstos no n.º 2 do art.º 32º;
- limitação de despesas autorizadas a quarenta milhões de euros por área governativa;
- avocação da decisão de contratar a aquisição de serviços (estudos, pareceres, projetos, serviços de consultoria, etc.) para o Governo;
Todas estas medidas têm subjacente o princípio de prossecução do interesse público bem patente na necessidade de reparação dos danos decorrentes desta catástrofe, com o objetivo de eliminar algumas barreiras legais e burocráticas que, a subsistirem, seriam impeditivas da urgente implementação no terreno destes apoios.
por Jane Kirkby e Ana Luísa Neves, Área de Prática – Direito Público