A Diretiva (UE) 2019/2121 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, veio alterar a Diretiva (EU) 2017/1132, introduzindo os institutos da transformação e da cisão transfronteiriças e modificando o regime da fusão transfronteiriça.
I. Novos institutos: transformação e cisão transfronteiriça de sociedades de responsabilidade limitada
Com a nova Diretiva, passam a existir os novos capítulos I e IV no Título II da Diretiva (EU) 2017/1132 (artigos 86.º-A a 86.º-S e 160.ºA a 160.º U) aplicáveis, respetivamente, às transformações e cisões transfronteiriças de sociedades de responsabilidade limitada, constituídas de acordo com o direito de um Estado-Membro, e cuja sede estatutária, administração central ou estabelecimento principal se situe no território da União, em sociedades de responsabilidade limitada regidas pelo direito de outro Estado-Membro.
Não são elegíveis para os procedimentos de transformação e cisão ao abrigo do regime as sociedades (artigos 86.º-A, n.ºs 3 a 5 e 160.º-A, n.ºs 3 a 5):
i. cujo objeto seja o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, que funcione segundo o princípio da diversificação dos riscos e cujas participações sejam, a pedido dos portadores, resgatadas ou reembolsadas, direta ou indiretamente, a partir dos ativos dessa sociedade. São equiparadas a tais resgates ou reembolsos as medidas adotadas por essa sociedade para garantir que o valor em bolsa das suas unidades de participação não se desvie sensivelmente do seu valor líquido;
ii. em liquidação e cuja distribuição de ativos já teve início;
iii. sujeitas a instrumentos, poderes e mecanismos de resolução, designadamente os previstos no Título IV da Diretiva 2014/59/EU;
iv. sujeitas a processos de insolvência, regimes de reestruturação preventiva, processos de liquidação diferentes dos referidos na alínea ii) e sujeitas a medidas de prevenção de crises (na aceção do artigo 2.º, n.º 1, ponto 101, da Diretiva 2014/59/UE) – ficando ao critério de cada Estado-membro a sua exclusão do âmbito de aplicação.
Podem dividir-se ambos os processos em 6 passos:
1.Projeto – É obrigatório elaborar um projeto de transformação/cisão, respetivamente com as menções dos artigos 86.º-D ou 160.º-D e posteriormente ser examinado por um perito independente que elaborará um relatório para os sócios, conforme os artigos 86.º-F e 160.º-F.
2. Relatório do órgão de administração ou de direção destinado aos sócios e aos trabalhadores – Relatório justificativo dos aspetos jurídicos e económicos da transformação/cisão transfronteiriça, bem como a explicar as implicações da transformação/ cisão transfronteiriça para os trabalhadores, a elaborar nos termos dos artigos 86.º- E e 160.º- E.
3. Publicação dos elementos referidos em 1) e 2) e respetiva aprovação pela Assembleia Geral após um mês – A publicação e posterior votação em Assembleia Geral do Projeto de Transformação/Cisão, bem como Relatório, devem ser realizadas nos termos dos artigos 86.ºG e 86.ºH ou 160.ºG e 160.ºH, respetivamente.
Aos sócios que votam contra a aprovação do projeto de é-lhes reservado o direito de alienar as suas participações sociais mediante compensação pecuniária adequada – artigos 86.º-I e 160.º-I. É também exigida a criação de um mecanismo de interesses dos credores relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto que ainda não estejam vencidos à data da publicação – artigos 86.º-J e 160.º-J.
4. Informação e consulta dos trabalhadores – Aos trabalhadores deve ser garantido o direito à informação e consulta: pelo menos antes da tomada de decisão sobre o projeto ou relatório, consoante o que ocorrer primeiro, de modo a dar uma resposta fundamentada aos trabalhadores antes da assembleia geral referida no ponto anterior – artigos 86.º-K e 160.º-K.
5. Certificado prévio à transformação – É necessária a emissão e posterior fiscalização, ambos por tribunal, notário ou autoridade ou autoridades competentes a designar, de certificado prévio à transformação/cisão, nos termos dos artigos 86.º-M e 86.º-O ou 160.º-M e 160.º-O.
6. Registo – A elaborar de acordo com o artigo 86.º-P ou 160.º-P, atendendo às menções imperativas do n.º 2 de cada artigo.
Cabe, por fim, referir que as partes dos procedimentos e formalidades a cumprir no âmbito da transformação e cisão transfronteiriça para a obtenção do certificado prévio à transformação regem-se pelo direito do Estado-Membro de partida, regendo-se pelo direito do Estado-Membro de destino as partes dos procedimentos e formalidades a cumprir após a receção do certificado prévio à transformação (artigos 86.º-C e 160.º-C).
II. O novo regime da fusão transfronteiriça
O regime da fusão transfronteiriça sofreu também alterações, tendo sido introduzidos novos artigos e modificados outros, dos quais, entre outros, se destacam os seguintes:
a) Alteração das exclusões do âmbito de aplicação do regime – não se aplica a sociedades em liquidação e cuja distribuição de ativos já teve início; ou que estejam sujeitas a instrumentos, poderes e mecanismos de resolução, designadamente os previstos no Título IV da Diretiva 2014/59/EU; ou ainda as que estejam sujeitas a processos de insolvência, regimes de reestruturação preventiva, processos de liquidação diferentes dos referidos na alínea ii) e sujeitas a medidas de prevenção de crises (na aceção do artigo 2.º, n.º 1, ponto 101, da Diretiva 2014/59/UE) – ficando ao critério de cada Estado-membro a sua exclusão do âmbito de aplicação (artigo 120.º).
b) Alteração das menções obrigatórias a constar no projeto de fusão (artigo 122.º).
c) Proteção dos sócios que votaram contra a aprovação do projeto comum de fusão – num prazo a definir por cada Estado-membro mas no máximo um mês após a assembleia geral de aprovação do projeto, é-lhes reservado o direito a alienar as suas participações sociais mediante compensação pecuniária adequada a pagar no prazo máximo de 2 meses, desde que, em resultado da fusão, adquiram participações sociais na sociedade resultante da fusão, regidas pelo direito de um Estado-Membro que não seja o Estado-Membro da respetiva sociedade objeto de fusão (artigo 126.º-A).
d) Proteção dos credores – Os Estados-Membros devem estabelecer um sistema adequado de proteção dos interesses dos credores relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto comum de fusão transfronteiriça que ainda não estejam vencidos à data da publicação (artigo 126.º-B).
e) Direitos de informação e consulta dos trabalhadores – Os Estados-Membros devem assegurar o respeito dos direitos de informação e consulta dos trabalhadores, pelo menos antes da tomada de decisão sobre o projeto comum de fusão transfronteiriça ou sobre o relatório justificativo da fusão, consoante o que ocorrer primeiro, de modo a dar uma resposta fundamentada aos trabalhadores antes da assembleia geral (artigo 126.º-C).
f) Densificação dos procedimentos e formalidades relativos à emissão certificado prévio à fusão bem como à sua transmissão (artigos 127.º e 127.º-A).
g) Alteração de requisitos para fiscalização da fusão (artigo 128.º).
h) Enumeração de menções obrigatórias a realizar pelo registo de cada Estado-membro (artigo 130.º).
i) Alteração das consequências de uma fusão transfronteiriça (artigo 131.º).
j) Obrigatoriedade de existência de regras para integração de peritos independentes (artigo 133-º-A).
As novas regras ora enunciadas devem ser transpostas até ao dia 31 de janeiro de 2023. Ficamos expectantes quanto à forma como será feita a sua introdução no ordenamento jurídico nacional.
por Amílcar Silva e Carolina Ribeiro Santos, Área de Prática – Direito Comercial e Societário