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News & MediaNewslettersDireito de preferência dos inquilinos e a sua inconstitucionalidade

30 de Julho, 2020

O Tribunal Constitucional decidiu declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do art.º 1091.º, n.º 8 do Código Civil (CC). A referida norma previa o exercício do direito de preferência pelos arrendatários habitacionais em prédio não constituído em propriedade horizontal, e atribuía tal direito nos mesmos termos que um arrendatário de fração autónoma. O objetivo primordial deste preceito era o de proteger o arrendatário habitacional de unidade física individualizada, mas não constituída em propriedade horizontal, contra possíveis inconvenientes resultantes da alienação da totalidade do prédio, fazendo desse modo incidir o direito de preferência sobre objeto que não coincide com os limites físicos do local arrendado.

Os juízes do Tribunal Constitucional fundamentam a decisão de inconstitucionalidade no entendimento de que a preferência prevista no artigo mencionado, limita a liberdade contratual das partes e, consequentemente, a faculdade de o senhorio poder dispor livremente da sua propriedade. Um dos argumentos apresentados foi o de que a preferência nestes termos “sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional”.

O direito de preferência, resumidamente, limita-se à liberdade de escolha da contraparte, e não afeta, nem deverá afetar, a própria liberdade de contratar, o que não se verificava no preceito em causa, uma vez que a solução legal adotada promove impedimentos de venda da totalidade de um prédio pelo seu legitimo proprietário.

Assim, considerou-se que o artigo supra aduzido consagra uma restrição desproporcionada do direito de propriedade, atingindo, por diversas vezes, a liberdade de transmissão do mesmo, e que a eventual transformação do arrendatário em comproprietário poderia criar uma situação de maior “instabilidade habitacional”.

A base do entendimento agora adotado pelo Tribunal Constitucional pauta-se pelo pressuposto de que o direito de preferência não visa afetar a posição subjetiva do proprietário, que continua com a “inteira liberdade para dispor da coisa objeto de preferência, nos termos que bem entender – nomeadamente, quanto ao preço e às condições de pagamento – e à partida é-lhe indiferente, em termos económicos, vender a coisa ao preferente ou a qualquer terceiro”. Pelo que, o n.º 8 do art.º 1091.º do CC, nos termos atuais, coloca em causa a própria liberdade de alienação, violando o art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que estabelece que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte“, conjuntamente com o n.º 2 do art.º 18.º, que estabelece que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos“.

Um outro argumento que sustentou a inconstitucionalidade foi o facto de se consagrar uma violação à justa indemnização, uma vez que a lei prevê a fixação do valor da “fração” em função da permilagem, o que será manifestamente insuficiente. Existem outros fatores que devem ser considerados para o cálculo do justo valor da preferência, nomeadamente, o nível de conservação, as vistas, o grau de luminosidade natural, o próprio piso em que a fração se situa (v.g. cave, rés-do-chão ou último andar), localização, entre outros.

Em suma, a norma civil impunha bastantes limites à liberdade do proprietário em estipular as condições de alienação do prédio parcialmente arrendado, pois, além de não poder dispor do mesmo na sua totalidade, tão pouco poderia escolher a medida da quota ou o respetivo valor. Assim, o direito de preferência contribuiria para uma desvalorização muito significativa do prédio.

Posto isto, e feita a ponderação do conflito entre o direito de propriedade e o direito à habitação, o Tribunal Constitucional entendeu que, este último – direito à habitação –, está sempre constitucionalmente protegido, por via da forma contratual, na medida em que quem adquire irá suceder nos direitos e obrigações do locador (art.º 1057.º CC). A realidade é que a aquisição por um terceiro em nada afeta ou altera a posição contratual do arrendatário, que se mantém no imóvel nessa mesma qualidade.

Por outro lado, tal declaração não foi unânime, havendo quem defenda que tal inconstitucionalidade retrata a habitação como um verdadeiro ativo financeiro e não como um bem social, e não tratando de forma idêntica situações materialmente semelhantes do ponto de vista dos arrendatários, argumentando que, ao declarar a norma inconstitucional, está-se a desconsiderar a posição jurídica dos arrendatários e o direito à habitação co-envolvido.

Destarte, afigura-se evidente que o entendimento do Tribunal Constitucional padece de unanimidade, sendo que o debate desencadeado trará ainda mais observações quanto ao tema. Não obstante, importa reconhecer que, por agora, o direito de preferência dos arrendatários habitacionais de prédio não constituído em propriedade horizontal é inconstitucional. A inconstitucionalidade da norma produz efeitos desde a sua determinação, mas também efeitos retroativos, ficando acautelados apenas todos os casos julgados. Assim, o art.º 1091.º, n.º 8 do CC não vai poder ser invocado em processos pendentes ou futuros, nem relativamente aos quais ainda caiba recurso. Contudo, ressalvamos que as demais situações previstas na lei relativamente ao direito de preferência dos inquilinos mantêm-se em vigor.

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