Tribunal Geral da União Europeia anulou parcialmente a decisão que autorizou a Comissão Europeia a realizar buscas e apreensões nas instalações da Compagnie générale des établissements Michelin (Michelin) – empresa dedicada à produção e comercialização de pneus para automóveis e camiões no Espaço Económico Europeu (EEE) e a nível global – bem como noutras empresas do setor. As diligências tiveram lugar em janeiro de 2024, com a participação de funcionários da Comissão Europeia e de agentes da autoridade francesa da concorrência..
Em 10 de janeiro de 2024, como parte de uma investigação iniciada ex officio, a Comissão Europeia adotou a decisão contestada, ordenando à requerente que se submetesse a uma inspeção nos termos do artigo 20.º, n.º 4, do Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à aplicação das regras de concorrência previstas nos artigos 101.º e 102.º do TFUE.
A Comissão investigava uma possível troca de informações comercialmente sensíveis durante teleconferências sobre resultados financeiros. Isso incluiu buscas a escritórios, apreensão de dispositivos (laptops, telefones, unidades de armazenamento), inquirições e cópia de dados.
No presente processo, estava em causa o ponto 4 da decisão contestada, que motivava as buscas, segundo o qual:
“(4) Este comportamento teria começado, pelo menos, no ano [ano mencionado], embora não se possa excluir que tenha tido início mais cedo, e poderá ainda estar em curso [(doravante designado por «período principal»)]. Certos elementos indicariam a existência de uma coordenação prévia relativamente a esses produtos, pelo menos [durante um período anterior] [(doravante designado por «período anterior», que precede o período principal por vários anos)].”
A Michelin contestou a legalidade da busca alegando, entre outras coisas, falta de indícios suficientemente sérios. O Tribunal Geral concordou parcialmente, concluindo que a Comissão só apresentou indícios suficientemente sérios de conduta anticoncorrencial para o “período principal” investigado, e não para o “período anterior” que também foi abrangido na decisão que autorizou as buscas.
O Tribunal relembrou que o controle jurisdicional é exercido tendo em conta as características essenciais da coordenação suspeita, conforme expostas pela Comissão na decisão impugnada. Neste contexto, a Comissão havia considerado que a coordenação suspeita dizia respeito “nomeadamente a preços de grosso”, incluía “o uso intencional das comunicações públicas das empresas para se informarem mutuamente sobre suas futuras intenções e estratégias tarifárias, com o objetivo de influenciar suas respetivas políticas de preços” e tinha dado origem, em particular, a “trocas de informações comercialmente sensíveis [entre fabricantes de pneus] (inclusive por meio de canais públicos acessíveis a todos), sobre essas intenções e estratégias”.
Os indícios apresentados relativamente ao período principal baseiam-se em declarações públicas que poderiam ser interpretadas como sinais de uma eventual coordenação. No entanto, o Tribunal Geral entendeu que, no que respeita ao período anterior, as declarações analisadas não revelam intenções futuras nem estratégias tarifárias concretas passíveis de implementação nesse intervalo temporal.
Mais especificamente, o Tribunal considerou que, a partir dessas declarações – nomeadamente a mais antiga mencionada pela Comissão -, se depreende apenas que o fabricante em causa recordava aos seus interlocutores que o aumento no preço das matérias-primas não era um fenómeno novo e que, noutras ocasiões, esse acréscimo havia sido repercutido nos preços ao consumidor.
O Tribunal considerou que, de acordo com a interpretação defendida pela Comissão, uma declaração pública sobre uma eventual repercussão dos custos poderia, no máximo, indiciar uma forma de coordenação, mas apenas no que respeita a ações futuras. Assim, concluiu que a Comissão não apresentou provas suficientemente sólidas para demonstrar que, no período anterior – também caracterizado por aumentos significativos nos preços das matérias-primas -, os principais fabricantes de pneus tenham atuado de forma concertada, seja de modo semelhante ao identificado no período principal, seja de forma distinta, mas com o mesmo objetivo colusivo presumido.
Face à ausência de elementos relevantes contemporâneos ao período anterior e, adicionalmente, à falta de outros indícios pertinentes que comprovassem a existência de uma eventual coordenação nesse mesmo período, o Tribunal Geral concluiu que a interpretação sustentada pela Comissão – segundo a qual seria plausível que os principais fabricantes de pneus visados pela decisão impugnada tivessem coordenado os preços dos pneus novos de substituição para automóveis e camiões no EEE durante o período anterior — não se encontra suficientemente demonstrada. Consequentemente, a decisão impugnada foi anulada na parte em que se refere ao período anterior mencionado no referido ponto 4.
Este acórdão reforça a importância essencial do controlo judicial – seja a posteriori, como sucede nos processos da Comissão Europeia, seja a priori, como nos procedimentos da Autoridade da Concorrência em Portugal – relativamente às diligências de busca e apreensão. Sublinha ainda o rigor que deve nortear o dever de fundamentação por parte das autoridades da concorrência no âmbito das suas diligências probatórias.
Decisão disponível em:
por José Luís da Cruz Vilaça, Paulo de Almeida Sande, Mariana Tavares, Inês Domingues Alves e Gonçalo Guimarães, Áreas de Prática – Direito da União Europeia, Concorrência e Investimento Estrangeiro