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News & MediaA sociedade em comandita por acções – a alternativa “esquecida” para a protecção do domínio das empresas em relação ao capital.

16 de Julho, 2018

A Sociedade em Comandita (por acções) há muito que está em desuso aquando da escolha do veículo societário útil para efectivação de negócios em Portugal. Tal facto deve-se, regra geral, à falta de alguma informação que os investidores têm, assim como de algum “esquecimento” – ou quiçá “cepticismo” –, vindo da parte dos seus consultores jurídicos, financeiros, etc., quando olham para este tipo societário.Todavia, as especificidades únicas deste tipo societário podem revelar-se muito interessantes para a estruturação de certos tipos de investimentos, e oferecer uma verdadeira alternativa às estruturas habituais (i.e., as sociedades por quotas e as sociedades anónimas).Vejamos algumas das especificidades mais sui generis das sociedades em comandita:
Relativamente aos sócios:

  • Comanditários: respondem apenas pela sua entrada;
  • Comanditados: respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos que os sócios da sociedade em nome colectivo – são os denominados sócios de responsabilidade ilimitada.

Este último ponto é provavelmente o maior dos catalisadores para a parca utilização deste veículo societário. Os sócios comanditados além de responder individualmente pela sua entrada, respondem pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros sócios (conforme artigos 465.º, n.º 1; e 175.º, n.º 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais).

Relativamente à administração:

  • Somente os sócios comanditados podem ser administradores, salvo se o contrato de sociedade permitir a atribuição da administração da sociedade a sócios comanditários – assim, independentemente da volumetria da titularidade das suas participações sociais (com uma participação “simbólica” até), os sócios comanditados podem deter em exclusivo o domínio da sociedade.

Além disso, o sócio comanditado que exerça a administração da sociedade só pode ser destituído, sem haver justa causa, por deliberação conjunta que reúna dois terços dos votos que cabem aos sócios comanditados e dois terços dos votos que cabem aos sócios comanditários.

Até aqui é perceptível uma das mais interessantes potencialidades deste tipo societário – a separação quase integral entre a titularidade (o capital) e a administração (o domínio) da sociedade. Esta característica é susceptível de conferir uma (maior) segurança jurídica a um investimento, assim como estabilidade na condução do grupo empresarial que veicula esse investimento, já que estão ambos (mais) protegidos em relação às denominadas “tomadas hostis” ao domínio societário, mormente em contexto de aumento(s) de capital.

No que respeita as sociedades em comandita por acções, em particular, dado o seu regime mais flexível – e à especial possibilidade do aumento de capital poder respeitar apenas o capital accionista, i.e., apenas as participações dos comanditários; ou, por outro lado, o aumento de capital abarcar somente o lado dos comanditados, o que é defendido por alguns autores –, a deliberação (seja qual for a modalidade) do aumento de capital terá sempre de incluir os votos favoráveis de ambas as categorias de sócios (comanditários e comanditados). A flexibilidade do regime da sociedade em comandita por acções ganha ainda mais relevo, neste contexto, se o contrato de sociedade autorizar o órgão de administração a aumentar o capital, uma ou mais vezes, por entradas em dinheiro (artigo 465.º, n.º 1, ex vie, o artigo 478.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais).

São conhecidas algumas técnicas que permitem o exercício (mais ou menos) em segurança do domínio societário em relação à maioria detentora do capital social, tais como a emissão de acções preferenciais sem direito de voto; o agravamento de determinadas maiorias deliberativas; a criação de um golden parachute para dissuadir destituições de membros do órgão de administração; a introdução de cláusulas protectoras em contexto de acordo parassocial; etc., mas este tipo societário, só por si, já é susceptível de alcançar alguns dos objectivos que algumas daquelas técnicas almejam.

Mesmo com este dinamismo, continua a existir bastante “cepticismo” em relação a este veículo societário, especialmente pela razão apontada supra – a responsabilidade ilimitada dos sócios comanditados. Mas este factor é facilmente superado se for utilizado outro veículo societário que ocupe a posição de sócio comanditado, tal como uma sociedade por quotas ou uma sociedade anónima – desta forma, os sócios de um destes veículos já não responderão ilimitadamente –, o que é expressamente autorizado no artigo 465.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.

Uma estrutura societária como esta pode ser, a título de exemplo (entre vários), muito atractiva para a veiculação de um projecto de investimento imobiliário, no qual a gestão profissional do projecto (o potencial comanditado), deseja ter uma protecção sólida e estável em relação ao domínio da empresa, perante a ingerência dos seus financiadores, i.e., o capital (os comanditários) – especialmente em contexto de aumento(s) de capital, o que não raras vezes acontece na vida destes projectos, com necessidades inesperadas de reforço(s) de capital para sustentação e optimização dos futuros ganhos –, sem ter, por sua vez, de se sacrificar as esferas patrimoniais pessoais dos profissionais que ocupam a gestão, enquanto pesada contrapartida da protecção conferida ao controlo exclusivo da empresa. Para tanto, bastará a gestão limitar indirectamente a sua responsabilidade, através de uma sociedade por quotas ou sociedade anónima, a qual vai ocupar a posição de sócio comanditado (como já vimos).

As empresas, além disso, precisam de recorrer várias vezes ao heterofinanciamento junto de instituições de crédito, ou outras, para alavancar os seus investimentos. Tais financiamentos são muitas vezes garantidos pessoalmente pelos seus administradores. Com o uso de uma sociedade, em que os sócios têm responsabilidade limitada, a ocupar a posição de comanditado (administrador), e se o respectivo contrato de financiamento assim o permitir, isso fará com que seja mais seguro ser esta pessoa colectiva a garantir directamente o financiamento, ao invés das pessoas singulares – os gestores – que  estão (agora) “atrás” dela.

Não será também argumento de peso aquele que diz que a criação de uma sociedade em comandita (por acções) – em contraposição com outras escolhas – acarretará necessariamente o custo (extra) de constituição e manutenção de mais uma sociedade comercial (por quotas ou anónima), para ocupar a posição de comanditado, para fazer com que aquele tipo societário seja minimamente atractivo, e assim veicular um potencial investimento, ou parte dele. Ora, projectos de investimento como o exemplo que acabámos de dar supra, e vários outros, já costumam ter uma pluralidade de sociedades veículo que compõe o grupo económico detentor/condutor do investimento na sua globalidade. Assim já o fazem, e têm os inerentes custos extra, por razões de delimitação de potenciais responsabilidades contratuais e extra-contratuais com terceiros, em relação a determinada fracção do projecto; ou por razões de compartimentalização financeira/fiscal de certa parte do investimento; entre outras razões.

Mais, se a sociedade em comandita por acções não fosse minimamente atractiva (na formatação já explicada), não veríamos países como a Alemanha a usar este tipo societário em números consideráveis, nem sequer veríamos alguns empreendedores alemães a usar esta mesma estrutura em investimentos feitos a nível extra-fronteiriço, nomeadamente aqui em Portugal… Algumas das poucas sociedades em comandita (por ações) que temos visto existir em Portugal, tiveram/têm sócios comanditários e comanditados de origem alemã.

Por isso, em determinados investimentos, com especiais objectivos e necessidades, qual a razão para este tipo societário continuar a ser (“sempre”) tão “esquecido” em Portugal?!


  1. Tal como é assinalado por Paulo Lopes Marcelo in “A Blindagem da Empresa Plurissocietária”, Almedina, 2002.
  2. Idem.
  3. Miguel Calado Moura in “Da Sociedade em Comandita por Acções”, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
  4. Idem.
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