Os acidentes de viação não afetam apenas os condutores dos veículos envolvidos, sendo por diversas vezes os passageiros quem sofrem lesões de maior gravidade. Uma vez que, na grande maioria dos acidentes rodoviários, não são os passageiros os responsáveis pela produção do acidente, estes têm sempre direito a indemnização pelos danos sofridos
A proteção dos ocupantes de um veículo em caso de acidente de viação em Portugal encontra-se regulada por um conjunto de normas legais, incluindo o Código Civil, o Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel e diversos diplomas complementares. O objetivo primordial destas disposições consiste em assegurar a salvaguarda dos direitos das vítimas, garantindo a cobertura de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro.
O Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto) impõe a obrigação de contratação de um seguro de responsabilidades civil a todos os veículos a motor. Este seguro destina-se a cobrir os danos causados a terceiros, incluindo os ocupantes do veículo sinistrado.
Nos termos do artigo 503.º do Código Civil, consagra-se o princípio da responsabilidade objetiva, pelo qual o proprietário do veículo responde pelos danos decorrentes da sua circulação, salvo se demonstrar que a causa do acidente é imputável exclusivamente à vítima ou a terceiro. Esta presunção legal visa garantir uma maior proteção dos ocupantes, dispensando-os do ónus da prova relativamente à culpa do condutor.
A indemnização abrange diversas categorias de danos, designadamente os danos emergentes, correspondentes às despesas médicas e hospitalares necessárias para o tratamento das lesões, a ajuda de 3ª pessoa, as despesas com deslocações, os lucros cessantes, que correspondem à perda de rendimentos decorrente da incapacidade temporária ou permanente da vítima, e os danos morais, compreendendo o sofrimento, dor e impacto emocional resultantes do acidente.
Ao contrário do que acontece com o condutor, que pode estar excluído do direito de indemnização caso a responsabilidade do acidente de viação lhe seja imputável, nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, essa questão não se coloca relativamente aos passageiros. No entanto, é comum que algumas vítimas, especialmente quando se trata de familiares ou amigos do condutor, renunciem ao direito à indemnização por receio de lhe causar prejuízo. Esse receio, contudo, é infundado na maioria dos casos. Se não se verificar uma conduta negligente grave por parte do condutor, como a infração intencional de normas de segurança rodoviária, a condução sob efeito de álcool ou drogas, a tentativa deliberada de causar um dano ou uma condução temerária, o processo-crime será arquivado e o condutor não sofrerá penalizações severas.
A circulação automóvel, por si só, envolve um risco suscetível de causar danos corporais ou materiais. É precisamente por essa razão que a legislação impõe a obrigatoriedade do seguro automóvel de responsabilidade civil contra terceiros, cabendo às companhias de seguros ou ao Fundo de Garantia Automóvel a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações às vítimas.
Outra situação recorrente envolve acidentes em transportes públicos, nos quais os passageiros também têm direito a reclamar indemnização. Nestes casos, a responsabilidade recai sobre a seguradora do veículo de transporte, sendo esta a entidade obrigada a suportar os custos dos danos sofridos pelas vítimas.
De forma a garantir uma proteção ainda mais abrangente, os condutores podem subscrever seguros facultativos de acidentes pessoais. Estes contratos podem prever coberturas adicionais, tais como compensação em caso de morte ou invalidez permanente, reembolso de despesas médicas, hospitalares e farmacêuticas, subsídios por incapacidade temporária, assegurando um rendimento enquanto a vítima se encontra impossibilitada de exercer a sua atividade profissional, e apoio à reabilitação e adaptação da habitação em casos de lesões incapacitantes.
As companhias de seguros comercializam frequentemente seguros para ocupantes do veículo, mas esta oferta revela-se, no mínimo, ilógica, uma vez que os passageiros já estão protegidos pelo seguro de responsabilidade civil obrigatório. A exclusão do condutor dessas coberturas específicas também se revela incoerente, pois, quando este não é responsável pelo acidente, beneficia igualmente da proteção desse seguro obrigatório. Além disso, os capitais contratados para morte e invalidez nestes seguros são cumuláveis com as indemnizações de responsabilidade civil, permitindo um reforço na compensação das vítimas e dos seus familiares
O ordenamento jurídico português estabelece um regime sólido e abrangente de proteção dos ocupantes de veículos em caso de acidente de viação. Apesar do caminho longo a percorrer no que ao montante das indemnizações a vítimas de acidente de viação diz respeito, a conjugação do seguro obrigatório, dos seguros facultativos e dos mecanismos de garantia, como o FGA, permite assegurar um nível razoável de proteção e segurança financeira às vítimas. Este quadro normativo reflete a preocupação do legislador em garantir a justa e eficaz compensação dos danos resultantes dos sinistros rodoviários, promovendo a tutela dos direitos dos cidadãos e o reforço da responsabilidade civil na circulação automóvel.
por Rui de Amorim Mesquita e Duarte Castro, Área de Prática – Seguros e Responsabilidade Civil