No ano de 2023, o Código do Trabalho e demais diplomas legais conexos, nomeadamente o Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), foram objeto de múltiplas alterações e aditamentos, em decorrência da denominada Agenda do Trabalho Digno, sendo agora intenção do atual Governo promover uma nova e – uma vez mais – profunda alteração da legislação de âmbito de aplicação laboral.
Foi, então, assim que, em 2023, surgiu, entre o leque de crimes contra a Segurança Social, o crime de omissão de comunicação de admissão de trabalhadores, previsto no art. 106.º-A do RGIT:
Artigo 106.º-A
Omissão de comunicação de admissão de trabalhadores
As entidades empregadoras que não comuniquem à segurança social a admissão de trabalhadores nos termos previstos nos n.os 1 a 3 do artigo 29.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado em anexo à Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, no prazo de seis meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto, são punidas com as penas previstas no n.º 1 do artigo 105.º.
Sendo as penas previstas no referido normativo legal a “pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.
A presente norma possui âmbito de aplicação geral, sendo, por conseguinte, aplicável a todas as relações jurídicas de natureza laboral, aqui se incluindo os vínculos de serviços doméstico. O incumprimento dessa obrigação determina a possibilidade de aplicação de sanções contraordenacionais e, em determinadas circunstâncias, a responsabilização criminal.
Contudo, pretende, agora, o atual Governo proceder à descriminalização da ausência de comunicação à Segurança Social da admissão de trabalhadores, incluindo trabalhadores de serviço doméstico.
De realçar, desde já, que a obrigação de comunicação da admissão de trabalhadores à Segurança Social sempre existiu, independentemente da consagração da sua criminalização. Tal dever legal impendia — e continua e continuará a impender — sobre todos os empregadores, incluindo aqueles que contratam trabalhadores ao abrigo do regime jurídico do serviço doméstico.
Tal significa que a despenalização desta situação não implica a ausência de contingências para o empregador, nomeadamente a nível contraordenacional. No caso específico do trabalho prestado em regime de serviço doméstico, sendo o empregador, em regra, uma pessoa singular, a não comunicação da admissão do trabalhador à Segurança Social dentro do prazo legal designado para o efeito constitui uma contraordenação sancionável com coima, sendo que o montante desta última irá depender do momento da comunicação, da natureza da entidade infratora e do grau de culpa (negligência ou dolo). Cumpre, ainda, referir que para além da sanção pecuniária, este incumprimento dará lugar à instauração de processos de regularização contributiva, tendo em vista o pagamento de contribuições em dívida, acrescidas dos respetivos juros.
Pese embora o fim da criminalização não implique o não sancionamento do comportamento em si, a verdade é que tal poderá ter consequências do ponto de vista do aumento da evasão fiscal e contributiva no setor do trabalho do serviço doméstico.
E assim se entende, pois, o regime de criminalização previsto no artigo 106.º-A do RGIT desempenha, ainda que numa perspetiva psicológica, uma função preventiva relevante, nomeadamente em setores tradicionalmente caracterizados por uma quase ausência de formalidade, como é o caso do trabalho doméstico.
Ora, a realidade é que com o fim da penalização, surge a contingência real de alguns empregadores poderem interpretar tal alteração legislativa como uma flexibilização das obrigações contributivas que sobre si impendem, potenciando, assim, comportamentos omissivos, particularmente num setor onde a fiscalização é, ainda, menos incisiva por parte das entidades competentes, considerando a já referida informalidade deste tipo de relações laborais.
Em face do exposto, conclui-se que, não obstante a criminalização da omissão da comunicação de admissão de trabalhadores à Segurança Social não dever ser encarada como o único meio eficaz para assegurar o cumprimento das obrigações legais, a verdade é que a sua eliminação, se não for acompanhada de medidas complementares apropriadas — como seja o reforço da atividade fiscalizadora, a implementação de campanhas de sensibilização junto dos empregadores e a eventual simplificação dos procedimentos declarativos por parte das entidades competentes — poderá traduzir-se num incremento significativo de cenários de evasão fiscal e contributiva, com particular enfoque no setor do trabalho doméstico.
por Pedro da Quitéria Faria e Rita Robalo de Almeida, Área de Prática – Direito do Trabalho e da Segurança Social