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News & MediaLatest NewsO suprimento da vontade de maiores acompanhados

16 de Setembro, 2022

Latest News by Antas da Cunha ECIJA

Portugal é um dos países da Europa com uma população mais envelhecida, o que motiva um maior cuidado em proteger todos os que deixam de conseguir formular a sua vontade. É frequente, quando os vícios da vontade se começam a manifestar em função da avançada idade, demência ou outra patologia, que exista resistência no reconhecimento dessa diminuição de capacidade.

A alteração da designação do regime de proteção conferido pela ordem jurídica portuguesa para regime de “maior acompanhado”, contribuiu para diminuir o estigma e a cognoscibilidade daqueles que ao mesmo devem recorrer por forma a evitar a prática de atos pessoais, de administração ou de disposição de bens que possam não corresponder a uma vontade real e livremente expressa.

Por outro lado, a audição do beneficiário é também uma das medidas que veio atribuir uma maior segurança jurídica a quem pretender recorrer a este regime. Na verdade, o regime do Maior Acompanhado apresentou-se como uma solução para situações identificadas, fazendo face:

  1. ao envelhecimento generalizado da população portuguesa;
  2. à necessidade de eliminação de preconceitos pela utilização dos regimes limitativos de direitos;
  3. ao objetivo de poder avaliar a situação do potencial beneficiário (com a plenitude do princípio da imediação) e ainda
  4. delimitar o exercício de direitos do beneficiário do regime, na sentença, ao estritamente necessário.

Acresce que resulta do referido regime a possibilidade de reação a negócios jurídicos celebrados pelos beneficiários do mesmo i) antes do início do processo e quando o estado de incapacidade era notório ou conhecido do declaratário; ii) quando o ato visado tenha sido praticado antes dos anúncios da ação; iii) a partir do momento em que se encontra pendente a ação, sem prejuízo de serem adotadas medidas de acompanhamento provisório e urgente, e iv) após o trânsito em julgado da sentença, sempre salvaguardando a posição do beneficiário de tal regime.

A decisão a ser proferida no processo do maior acompanhado tem como objetivo garantir que a restrição de direitos é limitada ao imprescindível, para garantir e proteger o respetivo beneficiário. A sentença mais adequada e “(…) satisfatória deve ser centrada apenas nas concretas necessidades dos adultos carecidos de proteção” e ser objeto de revisão com carácter periódico, a fim de a limitar no tempo e pelo período estritamente necessário, atestando-se a manutenção dos pressupostos que determinaram a decisão proferida.

Da análise da jurisprudência, acentua-se a tónica dos atos de disposição ou administração de bens do maior acompanhado e que motivam, não raras vezes, uma situação de discórdia no seio familiar e, como consequência, fundamentam a apresentação da ação de maior acompanhado. Assim, o suprimento da vontade do maior acompanhado é um fator decisivo para a propositura da ação, se esta não for admitida e consentida pelo beneficiário, estendendo-se a todos os atos que possam resultar numa recusa de suprimento.

Este suprimento de vontade é da competência do Ministério Público, por delegação, e nos termos do Decreto-lei nº 272/2001. Atenta a antiguidade desta delegação de competências, não se compreendem os obstáculos à sua integração no Código Civil, e uma vez que se continua a verificar, com frequência, a apresentação errónea do procedimento de suprimento da vontade sem preceder esta do competente processo de inventário. Nesta conformidade, e salvo melhor opinião, deveria o legislador ponderar sobre a necessidade de esclarecimento ou revisão normativa, em especial quando estas normas estão interligadas com um regime tão recentemente alterado.

No regime de suprimento do maior, embora tenha tido como primordial objetivo a necessidade de libertar os tribunais judiciais e promover uma maior celeridade nos procedimentos de suprimento da vontade de maiores acompanhados, menores e outros que a lei assim o circunscreva, revelam-se imprescindíveis os atos praticados pelo Ministério Público, nomeadamente, na missão de investigação, conferida com a necessária discricionariedade, para a prática de todos os atos que possam ser identificados e que contribuam para a análise da pretensão que exige o suprimento da vontade do incapaz. O poder decisório do Ministério Público, quando não sejam identificadas situações que fundamentem a recusa do suprimento, será acolhido, sendo em todos os restantes casos, colocadas à apreciação do Juiz.

Assim, deverá atender-se às questões que têm sido objeto de maior intervenção por parte dos tribunais, e que se prendem com situações de bens que integram acervos hereditários, o que impõe a necessidade de reformular o disposto no n.º 1 (à contrário), e na alínea b) do número 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 272/2001 pois, de tal norma resulta que não são da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a: i) situações de partilha extrajudicial onde o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, mostrando-se necessário nomear um curador especial; e ii) quando ao pedido de autorização deva preceder um processo de inventário ou de interdição. Esta última situação, não deve ser confundida com o disposto no art.º 2091 do Código Civil pois, o suprimento da vontade deve ocorrer em procedimento autónomo, e por forma a serem exercidos os demais direitos da herança em conjunto por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros e, bem assim, garantir-se que o Ministério Público investiga com rigor o ato que poderá defender de forma mais adequada os interesses do beneficiário.

Posto isto, cremos que volvidos 20 anos da publicação do Decreto-lei nº 272/2001, o mesmo deve ser revisto ou complementado, ou que deveria mesmo ser introduzido no Código Civil Português. Tratando-se de um processo jurisdicional e que existe para servir as pessoas mais fragilizadas, deveria este ser mais acessível a quem a ele pretende recorrer, ora os beneficiários, ora as respetivas famílias, assim se contribuindo para a certeza e segurança procedimental desejável para a realização do interesse do maior acompanhado.

 

por João Carlos Teixeira e Filipa Conde Lencastre, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem

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