No passado dia 9 de abril foi publicada a Lei n.º 53-A/2025, que, na sequência da apreciação parlamentar do polémico Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, procede a uma nova alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (na sua redação atual, doravante, RJIGT), vulgarmente conhecido (embora incorretamente) por “Lei dos Solos”.
As principais alterações introduzidas por esta nova intervenção legislativa – no objetivo de ‘emendar’ a mão do que antes havia sido aprovado pelo Governo e após uma ronda de negociações com os partidos da Oposição – visam restringir os casos em que é admissível a reclassificação do solo rústico para solo urbano, mediante a (re)introdução de um conjunto de exigências e requisitos.
Tais alterações resumem-se, no essencial, aos seguintes aspetos:
A. Do regime de reclassificação de solo rústico para solo urbano (artigo 72.º do RJIGT):
i. O respetivo procedimento deve ser acompanhado de um conjunto de elementos e fundamentos:
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- Demonstração do impacto da consequente carga urbanística no sistema de infraestruturas existente;
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- Previsão dos encargos necessários ao reforço do sistema de infraestruturas existentes, à execução de novas infraestruturas e à sua manutenção;
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- Demonstração da viabilidade económico-financeira da reclassificação, com a identificação dos sujeitos responsáveis pelo seu financiamento, das fontes de financiamento contratualizadas e do investimento público;
Contudo:
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- Tratando-se de reclassificações de solos de propriedade exclusivamente pública, estes mesmos elementos e fundamentos não são exigíveis.
ii. Redução do prazo para a execução das necessárias obras de urbanização, de cinco para quatro anos, e ainda do prazo da sua prorrogação, agora limitada a um ano, quando antes era até metade do prazo inicial.
B. Do regime especial de reclassificação de solos rústicos em solos urbanos para a finalidade habitacional (artigo 72.º-B do RJIGT):
i. Eliminação da possibilidade de reclassificação para fins ‘conexos’ com a finalidade habitacional;
ii. Possibilidade de reclassificação para fins ‘complementares’ da finalidade habitacional (na definição da lei, todos aqueles que se encontrem numa relação de dependência ou complementaridade com a finalidade de habitação, não podendo ser com ela conflituantes);
iii. Sujeição a parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente, ainda que não vinculativo, quando a propriedade do solo não seja exclusivamente pública, a emitir no prazo de 20 dias úteis a contar da data do envio da proposta, sob pena de deferimento tácito;
iv. Reintrodução do critério/requisito da contiguidade com o solo urbano do terreno a reclassificar;
v. Reformulação da exigência de 700/1000 da área total de construção acima do solo se destinar a habitação pública, a arrendamento acessível ou a habitação a custos controlados (em substituição do conceito antes previsto de ‘habitação de valor moderado’);
vi. Alargamento das áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional (REN)onde não pode haver reclassificação dos solos, mesmo que para a finalidade habitacional.
C. Do regime procedimental de alteração simplificada dos planos territoriais (artigo 123.º do RJIGT):
i. Adaptação de todas as suas previsões normativas face à introdução, no regime da reclassificação dos solos rústicos em solos urbanos com finalidade habitacional (artigo 72.º-B), da exigência de aquela se dever destinar, na proporção de 700/1000da área total de construção acima do solo, a habitação pública, a arrendamento acessível ou a habitação a custos controlados (em substituição do conceito antes previsto de ‘habitação de valor moderado’);
ii. Sujeição a parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente, ainda que não vinculativo, quando a propriedade do solo não seja exclusivamente pública, a emitir no prazo de 20 dias úteis a contar da data do envio da proposta, sob pena de deferimento tácito;
D. Do regime de suspensão de normas dos planos territoriais (artigo 199.º do RJIGT):
i. A suspensão das normas dos planos territoriais relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada, que aí não tenham ainda sido objeto de inclusão, ocorre agora apenas quando decretada pela CCDR territorialmente competente, depois de ouvido o município, o que quer dizer que, ao contrário da solução anterior, essa suspensão deixa de ser automática, mantendo-se essas normas em vigor até que assim ocorra;
ii. Essa suspensão não pode, ainda assim, abranger as áreas: “a) que tenham adquirido entretanto as características de solo urbano nos termos do presente decreto-lei e do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto; b) cujas obras de urbanização previstas em plano de pormenor, por contrato de urbanização ou por ato administrativo de controlo prévio se encontrem em execução e até ao termo do respetivo prazo; c) cujos parâmetros urbanísticos já tenham sido definidos pelo órgão autárquico competente através da aprovação de Pedido de Informação Prévia ou projeto de arquitetura”;
iii. A suspensão não será também decretada caso o município demonstre, fundamentadamente, que a conclusão do processo de revisão dos planos territoriais se encontra em fase de conclusão ou que o atraso se deveu a motivos que não lhe são imputáveis;
iv. A suspensão não impede, contudo, a realização das operações urbanísticas nessas áreas urbanizáveis ou de urbanização programadas cuja finalidade se enquadre no disposto nos artigos 72.º-A (atividades industriais, de armazenagem ou logística de serviços de apoio, ou a portos secos) e 72.º-B (habitacional e conexa com a habitacional).
E. Da sua vigência e data de produção de efeitos (artigo 3.º da Lei n.º 53-A/2025, de 9 de abril):
i. Esta nova alteração do regime vigora por um período de quatro anos – 31 de dezembro de 2028 –, dependendo a sua prorrogação da apresentação e discussão na Assembleia da República, pelo Governo, de um relatório de avaliação sobre a sua aplicação, que assim o fundamente;
ii. Não são, contudo, afetados os procedimentos, entretanto, iniciados e pendentes aquando da cessação;
iii. Esta nova redação da lei e suas previsões normativas têm efeitos retroativos a 31 de dezembro de 2024.
F. Da sua entrada em vigor:
Não existindo norma expressa no Diploma sobre a data da sua entrada em vigor, deverá considerar-se que esta nova alteração legislativa do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial entra em vigor no dia 14 de abril de 2025, por referência ao disposto no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que regula os termos da publicação, identificação e formulário dos diplomas legislativos.
por Henrique Moser e Cristina Pires Pinto, Área de Prática – Direito Imobiliário e Urbanismo