A crise causada pela COVID-19 representou um enorme desafio para a União Europeia (“UE”). A necessidade de adotar medidas de proteção da saúde e da economia, reclamou a criação de um instrumento de recuperação que pudesse promover a convergência, a resiliência e a transformação da UE. Com este objetivo, no dia 21 de julho de 2020, o Conselho Europeu aprovou o Next Generation EU para fazer frente às consequências económicas e sociais da pandemia.
Um dos principais instrumentos do Next Generation EU é o Mecanismo para a Recuperação e Resiliência (“MRR”), no valor de 723.800 milhões de euros, que visa conceder subvenções e empréstimos de apoio às reformas e aos investimentos nos Estados-Membros.
O MRR impõe aos Estados-Membros diversas obrigações relativas à proteção dos interesses financeiros da EU e, em especial, no âmbito da prevenção, deteção e correção de fraudes, corrupção e conflitos de interesse.
Neste contexto, no dia 13 de abril de 2021, foi aprovado pela UE o Plano de Recuperação e Resiliência português (“PRR”), que define e planifica, para cada uma das dimensões de intervenção: Resiliência, Transição Climática e Transição Digital, o conjunto de reformas e investimentos de transformação da economia a concretizar.
Entrou também em vigor o Decreto-Lei n.º 29-B/2021, de 4 de maio, que estabelece o modelo de governação dos fundos europeus atribuídos a Portugal através do PRR.
Em agosto de 2021, a Comissão Europeia realizou o primeiro desembolso financeiro de 2,2 mil milhões de euros relativo ao PPR português.
A estrutura responsável pela auditoria e controlo do PRR é a Comissão de Auditoria e Controlo (“CAC”), presidida pela Inspeção-Geral de Finanças, que deverá supervisionar o sistema de gestão e controlo interno da estrutura de missão «Recuperar Portugal».
Por sua vez, a coordenação técnica e a coordenação de gestão do PRR são exercidas pela estrutura Recuperar Portugal, a quem competirá adotar medidas antifraude eficazes.
A estrutura «Recuperar Portugal» encontra-se a desenvolver as diversas medidas e instrumentos antifraude que visam criar um sistema de controlo interno eficaz dos investimentos, que contribua para prevenir, detetar e reportar situações de irregularidades e de fraude; adotar as medidas corretivas necessárias; prevenir a duplicação de ajudas e criar mecanismos de recuperação de montantes indevidamente pagos ou utilizados de forma incorreta.
No essencial, as medidas e instrumentos antifraude contemplam a adaptação de Códigos de Ética e de Conduta; de Declarações de Política Antifraude; de Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas; de Declarações de Inexistência de Impedimentos e Incompatibilidades; de Manuais de Gestão de Riscos, bem como a implementação de Canais de Denúncia.
No dia 08 de outubro de 2021, o grupo de reflexão multidisciplinar Think Thank – Risco de Fraude de Recursos Financeiros da União[1], responsável por identificar e avaliar o risco de fraude na utilização dos recursos da EU, realizou uma conferência dedicada a dar conhecimento dos projetos desenvolvidos, da qual resultou evidente que persistem muitas interrogações nesta matéria e que é urgente a harmonização dos conceitos e dos procedimentos aplicáveis. As realidades e os meios das entidades envolvidas são muitos díspares e constatou-se que o fenómeno da fraude pode surgir em qualquer fase do processo (desde as candidaturas até à avaliação dos resultados da aplicação dos fundos).
Importa assinalar que o conteúdo concreto das medidas antifraude terá também de ser harmonizado com o pacote legislativo de combate à corrupção, pendente de aprovação. Isto porque, além das medidas antifraude previstas no âmbito da gestão do PRR português, em 18 de março de 2021, o Conselho de Ministros aprovou a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024 e, em 29 de abril 2021[2] e 17 de junho de 2021[3], comunicou a aprovação de um conjunto de diplomas que a concretizariam.
Entre outras medidas legislativas, foi comunicada a aprovação do Decreto-Lei que institui o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o Regime Geral da Prevenção da Corrupção, que visa obrigar determinado tipo de empresas e instituições, desde que empreguem 50 ou mais trabalhadores, a adotarem programas de prevenção de riscos, códigos de conduta, canais de denúncia e programas de formação adequados à prevenção da prática de atos de corrupção e infrações conexas.
Todavia, volvidos mais de seis meses, não é possível localizar qualquer informação sobre a eventual remessa deste diploma para promulgação pelo Presidente da República, nem sobre o respetivo conteúdo.
Verifica-se também que o texto de substituição da Proposta de Lei n.º 91/XIV/2.ª(GOV), que transpõe a Diretiva Relativa à Proteção das Pessoas que Denunciam Violações do Direito da União, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, está pendente de votação no Parlamento.
Certo é que os fundos estão a chegar e que, enquanto a estratégia nacional anticorrupção não estiver definida e legalmente consignada, o modelo de governação dos fundos europeus, na sua plenitude, ficará por executar.
por Área de Prática – Criminal, Contraordenacional e Compliance
[1] Think Tank (ministeriopublico.pt)
[2] Comunicado do Conselho de Ministros de 29 de abril de 2021 – XXII Governo – República Portuguesa (portugal.gov.pt)
[3] Comunicado do Conselho de Ministros de 17 de junho de 2021 – XXII Governo – República Portuguesa (portugal.gov.pt)