A. A Diretiva 2022/2464
Os principais desideratos da Diretiva CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) – a ser transposta para o ordenamento jurídico até 05.07.2024 – são:
- Ampliar o espectro das entidades abrangidas pela obrigação de reporte;
- Consolidar a transparência dos dados em matéria de sustentabilidade, uniformizando a forma de comunicação da informação, criando um acesso público que permita a comparação de dados, e exigindo um sistema de verificação externa, equiparando-se, a longo prazo, o reporte destas informações ao das informações financeiras.
Os prazos para aplicação da Diretiva variam consoante as entidades obrigadas:
- Sociedades cujos valores mobiliários sejam admitidos à negociação em mercado regulamentado, bem como instituições de crédito, empresas de seguros e entidades de interesse público: primeiro reporte em 2025, relativamente a 2024;
- Grandes empresas que ultrapassem dois dos seguintes índices: (a) total do balanço € 20.000.000,00; (b) volume líquido de negócio € 40.000.000,00; (c) 250 trabalhadores, em média: primeiro reporte em 2026, relativamente a 2025;
- PME (que não sejam microempresas) cotadas em mercados regulamentados da União Europeia, que ultrapassem dois dos seguintes índices: (a) total do balanço € 4.000.000,00; (b) volume líquido de negócio € 8.000.000,00; (c) 50 trabalhadores, em média: primeiro reporte em 2027, relativamente a 2026;
- Sociedades de países terceiros que tenham filial/sucursal na União Europeia: primeiro reporte em 2029, relativamente a 2028, sempre que ultrapassem um volume líquido de negócios de € 150.000.000,00, e sempre que a filial/sucursal ultrapasse certos limites de volume de negócios no Estado-Membro.
As informações de reporte que devem ser divulgadas prendem-se com:
- Modelo e estratégia a adotar relativamente aos riscos e oportunidades associados às questões de sustentabilidade, a planos de execução para garantir que a sociedade adotará uma estratégia compatível com a transição para uma economia sustentável, não ultrapassando o objetivo de limitação do aquecimento global;
- Descrição das políticas ESG e calendarização dos objetivos;
- Papel dos titulares dos órgãos de administração na implementação das políticas;
- Planos de incentivos, designadamente dirigidos a órgãos de administração;
- Deveres de diligência a implementar e efeitos adversos, em matéria de sustentabilidade, provocados pelas operações da sociedade, bem como as medidas a adotar para minimização/prevenção de tais efeitos.
B. Criação das políticas ESG
As políticas ESG devem demonstrar aos investidores o modo como são geridos os riscos e a capacidade de criar e sustentar valor a longo prazo, principalmente ao nível do impacto ambiental e sustentabilidade das operações, porquanto é inegável o aumento de investidores e consumidores que procuram empresas, serviços e bens mais sustentáveis e mais “amigos do ambiente”.
Aquando da criação das políticas ESG, o órgão de administração deve ter presente três fatores:
- Materialidade – políticas que traduzam a adoção material de um processo de decisão e planeamento estratégico mais sustentáveis, com melhor gestão do risco e maior consciencialização do impacto da operacionalidade da empresa na sociedade, serão mais atrativas para investidores;
- Transparência – políticas que permitam aos investidores perceber como é investido o seu dinheiro, trará melhor reputação, podendo facilitar o cumprimento de objetivos de negócio; e
- Cumprimento da legislação.
Por conseguinte, não obstante a adoção de políticas ESG poder resultar num aumento dos custos, com a consequente criação de novas estruturas – o que poderá levar a uma nova conceção do fim societário como o lucro sustentável –, o propósito destas políticas ESG é a assunção de uma maior responsabilidade social e ambiental e a atração de novo e de mais investimento, nacional e estrangeiro.
Assim, assistimos ao surgimento de um novo dever para os órgãos de administração na prossecução da almejada sustentabilidade, integrado à luz do art.º 64 do Código das Sociedades Comerciais, ou então autonomizado pelo legislador, fazendo nascer um autêntico dever de responsabilidade social e ambiental destes órgãos. Perante este novo dever, surge um novo risco de responsabilização, dado que o resultado obtido com a adoção das políticas ESG poderá não ser o que se esperava, ainda que a Diretiva CSRD preveja apenas uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultados.
C. Inclusão no Relatório de Gestão e publicação obrigatória das políticas ESG
Para poderem ser consideradas ESG Compliant, as empresas que se enquadrem no âmbito subjetivo da Diretiva, deverão proceder à inclusão de um conjunto de informações relativas à sua sustentabilidade, e das operações, no seu Relatório de Gestão, em secção específica para o efeito.
Estas informações deverão traduzir as políticas ESG implementadas no respetivo ano de exercício, bem como as políticas a adotar no futuro, devendo ainda permitir a avaliação do impacto de tais políticas no cumprimento dos objetivos de sustentabilidade.
Além da inclusão no Relatório de Gestão, a Diretiva CSRD prevê ainda uma obrigação de publicação de informações em matéria de sustentabilidade, cuja forma e local será ainda objeto de concretização pela Comissão Europeia, até ao final de junho de 2024, através de um pacote de normas de reporte obrigatórias, o qual se pressupõe que incida, entre outras, sobre questões associadas às alterações climáticas, preocupações ambientais (poluição, impacto nos ecossistemas, etc.), utilização de recursos renováveis e não-renováveis na operacionalidade da empresa, etc.
D. A transposição da Diretiva CSRD
Pese embora a Diretiva CSRD tenha de vir a ser transposta para o ordenamento jurídico interno, é importante notar que o Artigo 66.º-B do CSC, já contempla a obrigação de “As grandes empresas que sejam entidades de interesse público, que à data de encerramento do seu balanço excedam um número médio de 500 trabalhadores” incluírem “no seu relatório de gestão uma demonstração não financeira” que “deve conter as informações bastantes para uma compreensão (…) do impacto das suas atividades, referentes, no mínimo, às questões ambientais, sociais e relativas aos trabalhadores, (…) ao respeito dos direitos humanos (…)”.
Por conseguinte, com a transposição da Diretiva CSRD para o normativo jurídico português, é expectável que surjam alterações legislativas ao CSC que:
- Elenquem premissas base para orientação dos órgãos de administração no delineamento das políticas ESG a incluir no Relatório de Gestão, sendo possível à sociedade cumprir o dever de diligência;
- Identifiquem a forma de fiscalização do cumprimento das medidas a adotar pelas empresas para apurarem os impactos negativos das suas operações nos direitos humanos e no meio ambiente;
- Definam as sanções para as sociedades que não cumpram os deveres de diligência.
por Amílcar Silva e Tânia Nogueira, Área de Prática – Direito Comercial e Societário