Decorre do artigo 533º do CPC, em conjunto com o 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (Regulamento das Custas Processuais) que as custas de parte compreendem a taxa de justiça suportada pela parte, os encargos que a parte efetivamente suporte na pendência da tramitação do processo, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas, caso existam, bem como, os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas no âmbito do processo.
Para que a parte vencedora do processo tenha direito ao ressarcimento das custas de parte, é obrigatória a elaboração de uma nota discriminativa e justificativa das custas de parte, da qual, para além dos elementos supra referenciados, devem também constar “todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.”
Em suma, “As custas de parte integram-se na condenação geral por custas, o que vale por dizer que, no termo de um qualquer processo, quando haja uma decisão que refira que as custas impendem sobre o sujeito processual “A”, isso quer dizer que este sujeito processual suportará as custas processuais que o tribunal lhe liquide, sem dúvida, mas também as custas de parte, estas liquidadas, todavia, pela parte que tenha tido ganho de causa.”
Tanto o CPC como o Regulamento das Custas Processuais, estatuem as regras quer de elaboração, quer de apresentação da nota discriminativa de custas de parte à parte contrária.
Elaborada a nota discriminativa de custas de parte nos termos já referenciados, a parte que tenha direito a custas de parte tem que, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado ou pós a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, remeter quer ao Tribunal, quer à parte vencida, e ao agente de execução (se aplicável), a respetiva nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
O que fazer, contudo, quando a parte vencida não concorda com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte que lhe foi notificada?
Os normativos já por diversas vezes citados nada estatuem quanto à impugnação das custas de parte.
Contudo, as regras relativas à emissão, notificação e impugnação das custas de parte, são referenciadas na Portaria n.º 419-A/2009, que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades.
Com efeito, e no que tange à reclamação/impugnação da nota justificativa de custas de parte, dispunha o artigo 33º da citada Portaria, na sua versão originária, o seguinte:
“1 – A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.
2 – A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito de 50 % do valor da nota.
3 – Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.
4 – Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º do RCP.”
Ora, atualmente, e por via das alterações legislativas preconizadas, a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte obriga o depósito da totalidade do valor da nota, e não dos 50% anteriormente em vigor.
Contudo, que há muito se discute a validade e constitucionalidade da obrigação de depósito de 50 % do valor da nota em caso de reclamação e impugnação da mesma.
O referido normativo e as soluções legalmente consagradas foram apreciadas por diversas vezes, sendo que, as decisões proferias pelo Acórdão n.º 189/2016, reafirmado pelo Acórdão n.º 653/2016, bem como pelas Decisões Sumárias nºs 806/2016, 16/2017 e 17/2017, foram todas no sentido do julgamento positivo da inconstitucionalidade, por vício orgânico-formal da citada norma.
Em consequência, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na sua redação originária, segundo a qual «a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito de 50 % do valor da nota».
Cumpridos e verificados os requisitos para a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma, o Tribunal Constitucional declarou, em 29.01.2019, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na sua redação originária, que determina que «a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito de 50 % do valor da nota», por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o n.º 1 do artigo 20.º, ambos da Constituição.
Com efeito, entendeu o Tribunal constitucional que, “(…) tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.”
Cumpre referir que, por estarmos perante uma norma restritiva de um direito fundamental – o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, dúvidas não existem que a matéria em causa deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei.
Sucede que, in casu, a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no Regulamento das Custas Processuais nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
A presente decisão de inconstitucionalidade terá assim um impacto direto e significativo no âmbito da reclamação e impugnação da nota descritiva e justificativa de custas e parte, salvaguardando à tutela efetiva do acesso ao direito, o que é de congratular.
1 Vide nº 3, do artigo 533º do CPC.
2 Lucena, Miguel e Leme Côrte-Real in Custas de Parte, junho de 2011, Porto, disponível em https://www.verbojuridico.net/doutrina/2011/miguelcortereal_custasparte.pdf.
3 Vide artigos 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais e 533º, n.º 1 do CPC.
4 Vide artigo 25º do Regulamento das Custas Processuais.
5 Portaria n.º 82/2012 disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1662&tabela=leis.
6 Nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, alterada por último pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, doravante LTC)
7 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 73/2019, disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/119975750/details/maximized?p_p_auth=tzURW4UB.
8 Artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
9 Vide artigos 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP e artigo 18.º, n.º 2, da CRP.