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News & MediaLatest NewsZFM: Riscos, Oportunidades e a Nova Realidade Regulamentar

2 de Dezembro, 2025

 

A Zona Franca da Madeira (ZFM) tem sido, desde a sua criação, um dos instrumentos fiscais mais relevantes de Portugal para atrair investimento e promover a competitividade económica numa região ultraperiférica. Com uma taxa de IRC reduzida de 5% e um enquadramento fiscal especialmente favorável, o regime transformou-se numa âncora da estratégia económica regional e num polo de interesse para investidores nacionais e internacionais.

 

Porém, nos últimos anos, a ZFM tornou-se igualmente um regime bastante escrutinado pela União Europeia, culminando numa série de fiscalizações, de correções e de revisões legislativas que alteraram substancialmente a forma como o regime é aplicado. A aprovação recente da prorrogação do regime até 2033 surge, assim, num momento crucial, devolvendo a estabilidade após um período de incerteza e clarificando o enquadramento jurídico para os próximos anos.

 

A compreensão deste percurso exige perceber, antes de mais, como surgiu o problema. O regime da ZFM foi aprovado pela Comissão como um auxílio ao funcionamento, destinado à promoção do desenvolvimento regional e à diversificação da estrutura económica da Madeira, a qual é uma região ultraperiférica prevista no n.º 2 do artigo 299.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado CE) (atual artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE) e, como tal, é elegível para os auxílios regionais ao funcionamento ao abrigo do n.º 2 do artigo 87.º do Tratado CE (atual alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º, do TFUE).

O regime da ZFM está, atualmente, previsto no artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) onde se estabelece o regime aplicável às entidades licenciadas na ZFM, incluindo os requisitos de elegibilidade e os limites à aplicação da taxa reduzida.

 

Contudo, o regime da ZFM foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n.º 67-A/2008, de 18 de janeiro e, até à alteração efetuada pela Lei n.º 21/2021, de 20 de abril, o regime da ZFM não era claro no que respeita aos requisitos de elegibilidade, na medida em que nunca previu expressamente que os postos de trabalho criados pelas empresas tinham de estar fisicamente localizados na Madeira, nem que o investimento mínimo de € 75.000 deveria ser realizado em ativos também localizados na região. Esta ausência de referência clara foi interpretada, durante anos, como uma opção deliberada do legislador, permitindo uma aplicação flexível do regime por parte das autoridades portuguesas.

 

Tal prática levou a que muitas empresas operassem com trabalhadores situados fora da Madeira ou com investimentos realizados noutros pontos do país, sem que isso fosse entendido como um incumprimento dos requisitos de elegibilidade do regime da ZFM.

 

Esta interpretação foi profundamente revista pela Comissão Europeia, que, em 2015, ao analisar o regime aplicável ao período 2012-2013, concluiu que Portugal não estaria a aplicar corretamente as condições autorizadas enquanto auxílio de Estado.

 

Para a Comissão, o benefício fiscal da Zona Franca da Madeira só é compatível com o direito europeu se a atividade económica relevante for exercida efetivamente na região, o que implica que todos os elementos estruturantes do regime – em particular, os postos de trabalho – tenham uma ligação concreta ao território madeirense.

Atendendo aos esclarecimentos prestados pelo Estado português, a Comissão entendeu que, durante anos, uma parte significativa destas componentes essenciais (recursos humanos) não estava situada na Madeira, provocando uma divergência entre a finalidade regional do regime e a sua aplicação prática, concluindo que a aplicação do regime da ZFM, nos termos efetuados, era ilegal por se mostrar incompatível com o mercado interno e que, consequentemente, os auxílios que se mostrassem incompatíveis deveriam ser recuperados pelo Estado português.

 

Esta decisão da Comissão Europeia levou a que Portugal procedesse à revisão legislativa do artigo 36.º-A do EBF, através da Lei n.º 21/2021, de 20 de abril, clarificando de forma inequívoca que a elegibilidade ao regime depende da existência de substância económica real localizada na Madeira, abrangendo simultaneamente os dois pilares estruturais do regime: o emprego e o investimento.

As alterações introduzidas a partir de 2021 passaram a determinar expressamente que apenas são relevantes, para efeitos de aplicação do regime da ZFM, os trabalhadores que residam na Madeira ou nela exerçam atividade, e que o investimento e os demais indicadores de substância devem resultar de atividade desenvolvida na região. Não basta, pois, que as empresas estejam formalmente licenciadas na Madeira: os trabalhadores contabilizados para efeitos de elegibilidade devem residir ou exercer funções na região, e o investimento mínimo de € 75.000 deve traduzir-se em ativos afetos à atividade local.

 

Esta análise europeia também alterou profundamente a atuação das autoridades fiscais portuguesas, em particular da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM). A administração fiscal, alinhando-se com a interpretação da Comissão, passou a aplicar uma leitura muito mais restritiva dos requisitos de elegibilidade previstos do artigo 36.º-A do EBF: tanto os postos de trabalho como o investimento mínimo passaram a ser avaliados através de um critério de territorialidade estrito, exigindo-se que ambos se encontrem materialmente afetos ao território madeirense. A AT-RAM vai, aliás, mais longe ao exigir que o investimento nos ativos fixos tangíveis ou intangíveis seja realizado/localizado na Madeira.

 

Esta orientação tem levado a que, nas inspeções recentes, a presença física dos trabalhadores e a forma da sua contratação seja verificada com especial rigor e a que os investimentos realizados fora da Madeira – ainda que relevantes para a atividade da empresa – não sejam considerados para efeitos de cumprimento dos requisitos legais. Esta mudança representa uma rutura com as versões anteriores da lei, que não determinavam expressamente a localização geográfica destes elementos, e explica o aumento das correções fiscais e dos litígios resultantes da diferença entre a redação original da lei e a interpretação decorrente das exigências europeias.

 

Desta forma, aquilo que durante anos permaneceu numa zona cinzenta – a localização efetiva dos dois requisitos essenciais — passou a estar alinhado tanto com a letra como com o espírito do regime, tal como entendido pela Comissão Europeia. É, pois, importante que as entidades que pretendam beneficiar do regime da ZFM tenham em atenção a posição assumida, quer pela Comissão Europeia, quer pela AT-RAM, quanto à territorialidade dos requisitos de elegibilidade, de forma a evitarem as correções em sede de IRC que culminam sempre no pagamento da diferença entre a taxa reduzida de 5% e a taxa normal de IRC na Madeira (atualmente, de 14%).

 

por Joana Cunha d’Almeida, Priscila Santos e Filipa Salazar de Sousa, Área de Prática – Direito Fiscal

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